Sumiço de mulher em rio no Recife revela jogo de ‘empurra’ entre cidades

Moradores criticam capital e Jaboatão por más condições de limpeza.

Denúncia também recai sobre ponte estreita e precária que liga municípios.

O desaparecimento da dona de casa Luciana Marcelino da Fonseca, 42 anos, no Rio Tejipió, revela a difícil situação da comunidade que mora no entorno do curso de água, refém de um jogo de empurra-empurra entre as prefeituras do Recife e Jaboatão dos Guararapes.

Moradores das duas cidades relatam que nenhum dos governos assume a manutenção periódica do curso d’água e o lixo acaba se acumulando.

A ponte que liga os bairros de Cavaleiro e Totó, trecho onde se concentram as buscas pela mulher, na tarde desta sexta-feira (14), também é alvo de críticas. Ela é estreita e cheia de buracos.

O eletricista Severino Mendes tem um ponto comercial na Rua dos Coqueiros, em Cavaleiro, bairro de Jaboatão. Ele conta que o rio não é limpo com frequência e, por isso, quando chove, a rua fica toda alagada. “No segundo semestre do ano passado, a água veio bater dentro da minha loja, que está mais de um metro acima do chão. É um absurdo. Pena que, mesmo limpando, o povo do lado de lá [do Recife] joga lixo nele”, disse.

A dona de casa Fabiana Barbosa mora na Rua Linha Ponte Norte, transversal da Rua dos Coqueiros, e conta que nenhuma das prefeituras tomou a iniciativa de reformar a ponte. “São os moradores mesmo quem consertam quando aparece buraco”, afirmou.

“Precisam alargar essa ponte. Já vi cair gente, moto… E também limpar esse canal e colocar esgoto sanitário nas nossas casas. Todo mundo está ficando doente, que nem eu, com erisipela”, criticou Ana Paula Alves, vizinha de Fabiana, referindo-se à infecção bacteriana que apresenta na pele.

A manicure Edilene Gomes mora há 33 anos na Rua Marumbi, no bairro do Totó, que fica no lado do Recife, e defende que os moradores da localidade não jogam lixo no Rio Tejipió. “A sujeira já vem das comunidades que ficam nas partes mais altas, como o Sapo Nu. O rio faz muito caminho [curvas], aí o povo vai jogando e para aqui”, disse. “O pivô da briga entre as prefeituras sempre foi essa ponte e esse rio, desde quando meu pai morava aqui, e ninguém resolve nada. Só vêm limpar quando acontece uma desgraça assim. A última vez que choveu forte, a água entrou na minha casa e eu perdi tudo”, complementou.

O comerciante José Antônio dos Santos, 83 anos, trabalha há 45 na Rua Marumbi. Seu estabelecimento fica bem próximo à ponte e o Rio Tejipió passa por trás do imóvel. “O cheiro ruim incomoda, e acho que as prefeituras se dividem com uma limpeza por ano. Sempre está sujo assim e, quando chove, alaga tudo. Já entrou água aqui dentro, tanto que eu tive que subir o nível da calçada e construir um sótão para colocar os meus produtos”, informou.

O que dizem as prefeituras
Em nota, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes informou que faz limpeza sistemática na área que compete ao município, assim como a coleta de lixo também é feita regularmente. “Um problema é que a própria população polui a área, mas esperamos que nossas campanhas de conscientização mudem isso, pois estão prejudicando a eles mesmos”, apontou o texto.

Também por meio de nota, a Empresa de Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) esclareceu que a limpeza de rios não é de responsabilidade do órgão e informou que vai realizar uma vistoria no local para identificar se a ponte citada foi implantada pelos moradores e, caso seja de competência do órgão, programar uma ação no local.

A empresa ainda disse que enviou cinco caminhões-caçamba e uma máquina retroescavadeira para realizar uma ação de limpeza e auxiliar as buscas conduzidas pelo Corpo de Bombeiros. Cada caminhão tem capacidade de 12 metros cúbicos. Até as 18h, os caminhões haviam feito pelo menos nove viagens. Os bombeiros suspenderam o trabalho às 17h50, sem Luciana ter sido localizada. As buscas serão retomadas às 7h deste sábado (15).

Entenda o caso
Luciana Marcelino da Fonseca, 42 anos, estava com o filho Moisés, de um ano e meio, no momento do acidente, por volta das 15h. Chovia muito e um trecho do rio havia transbordado, impedindo que ela distinguisse onde estava a ponte. Eles caíram no Rio Tejipió e a criança foi resgatada por dois homens, um dos quais não sabia nadar.

De acordo com testemunhas, os homens choraram muito durante o salvamento, especialmente por causa dos pedidos de Luciana para que a criança fosse retirada da água. O menino foi levado a uma unidade de saúde da região e submetido a uma lavagem estomacal, devido à água suja que ingeriu. A criança passa bem e está em casa com o pai.

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