Último grupo de PMs é condenado por massacre do Carandiru

Este foi o 4º júri sobre a morte de 111 presos na antiga Casa de Detenção.

Além destes, outros 58 receberam penas de até 624 anos de prisão.

Os últimos 15 PMs julgados pela participação no massacre do Carandiru foram condenados nesta quarta-feira (2) pelo assassinato de quatro presos. Cada um dos policiais recebeu pena de 48 anos de prisão. Além deles, outros 58 policiais já tinham sido condenados em três júris anteriores. Todos vão recorrer em liberdade da decisão que foi tomada pela primeira instância da Justiça.
Ocorrido em outubro de 1992, o massacre teve como estopim de uma briga entre detentos. O processo tem, ao todo, 57 volumes, 111 apensos e 50 mil páginas. Por conta do número de réus, a Justiça desmembrou o caso em quatro partes ou júris diferentes, correspondentes aos andares invadidos. O critério foi julgar o grupo de policiais militares que esteve em cada um dos pavimentos onde presos foram mortos.

Somados os quatro júris, 73 policiais foram condenados por 77 mortes. Essa diferença de 34 homicídios (do total de 111 mortos) pode ser explicada pelas exclusões ou absolvições pedidas pelo Ministério Público. A maioria em decorrência da suspeita de que detentos feridos com armas brancas tenham sido mortos por companheiros. Eles receberam penas que variam de 96 a 624 anos de prisão.

COE no 3° andar
Os condenados desta quarta integravam o Comando de Operações Especiais (COE) e atuaram no terceiro andar do edifício. Durante os três dias de julgamento no Fórum Criminal da Barra Funda, Zona Oeste, a Promotoria pediu para que os jurados absolvessem os policiais de quatro das oito mortes a que eles foram acusados.
Metade dos presos assassinados naquele pavimento foi vítima de golpes de armas brancas, como estiletes e facas. Isso indica que foram mortos por outros detentos, e não pelos PMs, de acordo com o MP. Os promotores também pediram absolvição em relação a duas tentativas de homicídio porque as vítimas, apesar de chamadas para depor, não compareceram em juízo.

O advogado dos réus, Celso Vendramini, levou ao plenário escudos e coletes usados pelos policiais com marcas de bala para mostrar que foram atacados pelos presos. Ele defendeu a tese de que os policiais não mataram os presos, que agiram em legítima defesa, cumpriram ordens superiores e não poderiam ter agido diferente naquela situação.

O promotor Eduardo Olavo Canto Neto defendeu a tese do crime multitudinário, cometido por influência do tumulto. “Essa ação é coletiva. A imputação é coletiva. Os jurados já acolheram essa tese por três vezes”, afirmou, referindo-se aos outros três julgamentos.

Para Vendramini, o Estado falhou por não realizar o confronto balístico que permitiria saber que policial atirou em qual preso. Como isso não foi feito, pediu aos réus que absolvessem todos.

O promotor rebateu o defensor dizendo aos jurados que as imprecisões na investigação sobre as 111 mortes no Carandiru foram deixadas de propósito, para que os policiais militares ficassem impunes. “Isso aqui foi feito para não dar em nada. Isso aqui  é Brasil”.

Revolta
Ex-policial, o advogado Celso Vendramini, defensor dos  15 PMs condenados nesta quarta-feira (2), abandonou o plenário do Tribunal do Júri antes de o juiz Rodrigo Tellini ler a sentença. O advogado disse que vai recorrer da decisão baseado em argumentos técnicos.

“Esse julgamento está nulo de pleno direito. O juiz  fez o absurdo de liberar a testemunha em uma noite e mandou a testemunha voltar no outro dia para ser ouvida. Eu disse para ele: excelência, a testemunha é incomunicável. Não dá para conversar com esse juiz porque ele tem o código penal dele.”

Vendramini acredita que o processo ainda terá muitos lances. “Perdi a batalha, mas não perdi a guerra. Se eu tiver vivo ainda, eu vou voltar aqui para fazer o júri desses policiais do COE e do Gate novamente. E vão ser anulados por culpa do magistrado.”

Celebração
Para o Ministério Público, entretanto, o encerramento do julgamento foi histórico. O promotor Eduardo Olavo Canto Neto acredita que a sentença represente uma mudança de rumos. “Hoje  tenho uma sensação de dever cumprido e que contribuí para uma sociedade mais justa. A sociedade hoje deu uma resposta definitiva. Imagine a dificuldade: um julgamento único dividido em diversas etapas. Tivemos de obter sucesso em todas elas, com inúmeras teses levantadas pela defesa.”

O promotor Márcio Friggi falou sobre o fato de os 77 réus condenados permanecerem em liberdade. “A prisão antes do trânsito em julgado é provisória, mesmo no caso de existir uma sentença condenatória. Eles responderam ao processo em liberdade e tinham direito de recorrer em liberdade. Esse direito não pode ser suprimido porque a causa tem clamor popular. Agora, o sistema está certo? O sistema legal pode ser mudado e deve ser mudado? Aí me parece que sim”, afirmou.

Apesar de celebrarem o resultado, os promotores não pouparam críticas ao sistema penal, e lamentaram a imprevisibilidade do cumprimento das sentenças. “Nosso trabalho foi realizado para que as sentenças não sejam meramente simbólicas. Não tenho como prever quantos anos vão passar até que as penas sejam efetivamente cumpridas. Lamento muito por um sistema penal e processual penal arcaico, lento e burocrático. Espero que politicamente reformas sejam encaminhadas no sentido de diminuir o número de recursos sem prejuízo do direito de defesa, mas para que a Justiça possa caminhar a passos mais rápidos”, completou Friggi.

As sessões do julgamento
No primeiro julgamento, ocorrido em abril do ano passado, 23 policiais que atuaram no primeiro andar do Pavilhão Nove foram condenados a 156 anos de prisão pelo assassinato de 13 detentos. Três réus foram absolvidos. O promotor daquela etapa, Fernando Pereira da Silva, também pediu que os jurados desconsiderassem duas das 15 vítimas, pois ambas foram mortas com golpes de arma branca.

Realizada entre 29 de julho e 3 de agosto de 2013, o segundo julgamento terminou com a condenação de 25 policiais a 624 anos pela morte de 52 presos. Em 1992, os condenados integravam as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota, tropa de elite da Polícia Militar paulista). Os policiais também perderam o cargo público ainda em exercício, mas essa decisão só vai valer depois de julgados todos os recursos.

O júri desta semana deveria ter sido o terceiro. Um conselho de sentença chegou a ser formado em fevereiro, mas foi cancelado porque o advogado dos réus abandonou o plenário. Por isso, o julgamento dos policiais que atuaram no último andar do Pavilhão Nove acabou acontecendo entre 17 e 19 de março, antes do júri dos réus que entraram no terceiro andar.

Dez policiais que na época integravam o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) foram condenados pela morte de oito detentos e pela tentativa de homicídio de outros três. Nove receberam pena de 96 anos de reclusão. Outro PM, Sílvio Nascimento Sabino, foi condenado a 104 anos de prisão. Segundo o Ministério Público, ele era o único que tinha antecedentes criminais (por tentativa de homicídio).

Na ocasião, o promotor Márcio Friggi considerou o resultado como “uma resposta ao discurso da barbárie, que não foi aceito pela sociedade”. “Em outras épocas, isso era inimaginável. Os policiais seriam absolvidos e receberiam medalhas”, endossou outro representante do Ministério Público, Olavo Canto Neto.

Antes dos julgamentos, somente um acusado havia sido julgado: o comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães. Ele foi condenado em 2001 a 632 anos de prisão, em júri popular, por ter dirigido a operação. Em 2006, o júri foi anulado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Meses depois da absolvição, Ubiratan foi morto a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins.

 

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