Pacientes com tipo raro de câncer sofrem com falta de remédio, em PE
Vítimas de mieloma múltiplo relatam que medicamento não chega há 3 meses.
Governo admite atraso e promete medicação disponível em 30 dias.
Pacientes com mieloma múltiplo, um tipo raro de câncer de sangue, estão sem medicamento desde dezembro, em Pernambuco. A denúncia é da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). A lenalidomida é necessária para inibir a progressão da doença. Sem registro no Brasil, a substância é importada e dada de graça pelo governo para quem tem autorização judicial.
A aposentada Maria Inês de Lemos, 63 anos, descobriu a doença em 2012. “Minha médica disse que eu preciso tomar o remédio por quatro anos. Ganhei na Justiça o direito, mas o Estado não está nem aí para nós e ninguém vai preso por isso. Eu ligo todo dia para a farmácia [do Estado] e eles nem me atendem mais”, disse.
Inês precisa tomar um comprimido por dia. Com a falta de lenalidomida, ela está usando a talidomida, um medicamento da mesma categoria. “Como minha médica diz: eu estava lá em cima e, agora, desci [de nível]. Só estou tomando esse para não fazer quimioterapia de novo, não aguento. Eu já fiquei careca e não quero de novo, o cabelo ainda está crescendo”, brincou.
Riscos para os pacientes
A interrupção do tratamento com a lenalidomida pode levar à progressão da doença, de acordo com o hematologista e diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Angelo Maiolino. “O medicamento é usado quando a doença retorna, e a interrupção [do tratamento] é uma situação muito ruim para esse tipo de câncer tão grave. A talidomida não é substituto.
Ambas são substâncias da mesma categoria, mas a lenalidomida é uma evolução em termos de eficácia e efeito colateral”, disse.
Maiolino afirma que nunca registrou um atraso tão extenso no Brasil como o que está ocorrendo em Pernambuco. “O Brasil é um dos poucos que não têm o registro da lenalidomida, que já foi aprovada em mais de 80 países, entre eles, toda a Europa, América do Norte, China, alguns na América Latina. E a gente alerta sobre isso à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Por enquanto, não há previsão para a empresa que representa a substância entrar com novo processo de registro”, alertou. O médico informou que, nos Estados Unidos, uma caixa de lenalidomida custa entre três e quatro mil dólares.
O que diz o governo
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou ao G1 que houve atraso na aquisição do medicamento lenalidomida por “ser um remédio importado, não possuir registro na Anvisa e não integrar a lista dos remédios fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”.
A SES disse também que está tomando as medidas necessárias para agilizar a entrega e uma primeira compra em três apresentações (10mg, 15mg e 25 mg) já foi finalizada, sendo suficiente para atender, por um período de seis meses, a demanda dos 32 pacientes que aguardam a medicação. A previsão é que o medicamento esteja disponível em 30 dias.
Ação judicial
O empresário Roosevelt de Menezes disse que a mãe Selma Cazeira, 59 anos, convive com o mieloma múltiplo há cerca de dois anos e já está sentido os efeitos da falta da lenalidomida. “Ela precisa tomar um comprimido em dias alternados e, há mais de dois meses, não consigo pegar uma caixa de lenalidomida para ela. Minha mãe já está sentindo os primeiros efeitos da tomada do substituto [talidomida]: formigamento e inchaço nas pernas. Está com medo de cair e, por isso, parando as atividades do dia-a-dia. A nossa qualidade de vida está muito afetada”, comentou.
O advogado de Selma Cazeira, Paulo Feitosa, informou que, desde junho do ano passado, conseguiu liminar para seis clientes receberem o tratamento custeado pelo governo estadual. “Para forçar o Estado a fornecer o medicamento, há um mês e meio, eu entro com pedidos de majoração e execução da multa [por atraso] e expedição de mandado de prisão do responsável por crime de desobediência de ordem judicial, em casos de persistência. Só que essa decisão fica a cargo do juiz. Se agravar o estado de saúde dos pacientes, podemos até entrar com dano moral”, explicou.
O técnico em logística Silvanio Barros é responsável por pegar a substância em farmácias do Recife para o tio Reginaldo Carvalho, 43 anos, que mora em Chã Grande, no Agreste. “Ele ganhou a causa na Justiça em janeiro deste ano e, até agora, não conseguiu uma caixa sequer. A médica já nos disse que, sem esse remédio, ele não tem mais jeito. Faltam poucas sessões de quimioterapia e ele não pode fazer outras, vai ficar nas mãos de Deus”, lamentou.