TJPE determina indenização para vítimas de soro contaminado
Pacientes com sequelas e herdeiros de vítimas fatais serão os beneficiados.
Advogados estimam valor total de R$ 10 milhões para as indenizações.
Quinze dos pacientes que se submeteram a cirurgias em que foram administradas unidades do soro Ringer Lactato de um lote contaminado, em 1997, no Recife, obtiveram vitória na Justiça e poderão receber indenização. A sentença do juiz Marcus Vinícius Nonato Rabelo Torres foi publicada nesta quarta-feira (26) e estabelece R$ 150 mil de indenização por danos morais para os pacientes que ficaram com sequelas e R$ 200 mil para cada um dos filhos das vítimas que morreram por causa das operações.
Tanto a empresa fabricante do soro — na época, Endomed Laboratórios Farmacêuticos e atualmente Fresenius KABI Brasil Ltda — quanto o hospital envolvido no caso — Santa Joana, no Recife — foram condenados a pagar as indenizações. Cabe recurso da decisão e a defesa das empresas tem 15 dias, a contar da intimação da sentença, para dar entrada na documentação necessária. Os advogados dos pacientes têm mais 15 dias para se pronunciar novamente.
Procurado pelo G1, o laboratório não retornou até o momento de publicação desta reportagem. Em nota, o Hospital Santa Joana informou que “ainda não foi notificado sobre a decisão do juiz e, por isso, não vai se pronunciar”.
Além da indenização por dano moral, a Justiça também estabeleceu o pagamento de dano material, em um total de R$ 141,7 mil divididos proporcionalmente entre os representantes dos pacientes que faleceram devido ao uso do soro. Essas pessoas terão que comprovar os valores custeados desde então para que o pagamento seja realizado.
“A decisão não vai trazer de volta a minha mãe, mas vamos dar uma contribuição para evitar que casos como esse aconteçam. Esperamos que a nossa medicina e suas empresas sejam mais responsáveis. Essa é a grande lição que deixamos”, diz Sérgio Novaes, 58 anos, filho de Tereza Novaes, que se submeteu a uma histerectomia e morreu. Na época, ela tinha a idade atual do filho.
O escritório de advocacia envolvido na ação estima um valor total de R$ 10 milhões para as indenizações, ao final do processo, beneficiando cerca de 40 pessoas — as cinco vítimas que apresentam sequelas e os filhos dos pacientes que morreram. Isso se deve à correção de 1% ao mês, calculada desde 1997, ano em que o fato aconteceu.
“A gente sabe que demorou, mas temos a certeza de que a justiça foi feita. Foram muitos laudos, exames, inclusive da Fundação Oswaldo Cruz e da Sociedade Pernambucana de Anestesiologia, que provaram que o soro estava contaminado. Os hospitais e o laboratório tiveram culpa”, pontua o advogado João Armando Costa Menezes.
Responsabilidade objetiva
“Entendi que a situação colocada no processo se pautava pelo Código de Defesa do Consumidor, porque houve uma relação de prestação de serviços. O Código estabelece que, havendo algum dano nesta prestação de serviços, a responsabilidade é objetiva, não se discute se houve culpa. Uma única má prestação de serviço é causa suficiente para responsabilização do prestador de serviço”, explica o juiz Marcus Vinícius Nonato Rabelo Torres.
De acordo com o Tribunal de Justiça de Pernambuco, sindicância aberta pela Diretoria de Epidemiologia e Vigilância Sanitária do Estado, na época do caso, constatou a ocorrência de 82 acidentes vasculares cerebrais (AVC). Todos esses pacientes foram operados no Recife e receberam soro do lote contaminado — a contaminação foi comprovada por laudo emitido pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em sua defesa, o laboratório informou que “existe uma certa taxa percentual que no mundo inteiro é reconhecida como ‘aceitável’ para a incidência de problemas cardiológicos ou cerebrais no ato de internações e cirurgias”. Na sentença, o juiz Marcus Vinícius Torres argumenta ainda que “deve ser aplicada a responsabilidade objetiva e solidária, uma vez que o produto contaminado foi produzido pelo Laboratório Endomed e posto no mercado pelo Hospital Santa Joana, resultando em danos aos autores e parentes dos pacientes que vieram a falecer, que acreditavam na segurança do produto e do serviço adquiridos e postos a sua disposição”.
Outros processos
O escritório já obteve resultados favoráveis em processos envolvendo outras oito vítimas do soro contaminado que foram operadas em outros hospitais recifenses. As vitórias aconteceram no TJPE, em primeira e segunda instâncias, e agora tramitam no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
Atualmente, no TJPE, outro processo envolvendo uma vítima operada no Hospital São Lucas já resultou em resultado favorável para o paciente, em primeira instância. O laboratório fabricante do soro recorreu e aguarda a sentença de segunda instância na corte estadual.
Mais dois casos estão em fase de perícia e devem ter seus processos encaminhados ao TJPE no início do ano que vem, também envolvendo cirurgias feitas em hospitais do Recife com o soro contaminado. A intenção dos advogados é que as perícias presentes neste processo que obteve sentença favorável sirvam para esses outros casos.
A definição sobre quem efetivamente paga a indenização — se o laboratório ou o hospital — só sai ao término do processo, quando não houver mais possibilidades de recurso (trânsito em julgado).