Atraso, erro e sobrepreço multiplicam custos de refinarias da Petrobras

Denúncias sobre negócios da estatal são base de pedidos de CPI.
Sobrepreços apontados pelo TCU podem chegar a R$ 2,77 bilhões.

Já estrangulada em dívidas, a Petrobras pode ter sofrido perdas bilionárias em suas operações com refinarias na última década – dentro e fora do país. Documentos do Tribunal de Contas da União (TCU) a partir de 2008 mostram que erros e deficiências em projetos, atrasos nas obras e sobrepreços podem ter custado bilhões aos cofres da estatal.

Nas refinarias de Abreu e Lima, em Pernambuco, e Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), as obras estão atrasadas – o Comperj deve ser concluído com dez anos de atraso –, e estimativas já apontam que esses projetos devem custar pelo menos 5 vezes mais que o valor original.

Além disso, fiscalizações do tribunal apontam que erros e deficiências nos projetos, além de sobrepreço, podem levar a Petrobras a gastar R$ 2,77 bilhões a mais nesses empreendimentos.

As denúncias envolvendo negócios da Petrobras estão no centro dos pedidos de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso. Mas oposição e governo travam uma disputa sobre a abrangência da investigação. Na quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a instalação de uma CPI para investigar, além da Petrobras, as suspeitas de cartel no metrô de São Paulo, e irregularidades no Porto de Suape, em Pernambuco – estados administrados pelo PSDB e PSB.

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Abreu e Lima
A refinaria, em construção a cidade pernambucana de Ipojuca, foi anunciada em 2005 com custo estimado em cerca de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 4,5 bilhões em valores atuais). A previsão era que o projeto começasse a funcionar a plena carga em 2011, mas as obras atrasaram e a nova projeção é que isso ocorra este ano. De lá para cá, o custo da obra saltou para cerca de US$ 18 bilhões (R$ 41 bilhões).

Essa planta vai ocupar uma área de cerca de 6,3 km2 e terá capacidade para processar 230 mil barris de óleo por dia. O objetivo é que a refinaria supra a demanda nacional por combustíveis, em especial das regiões Norte e Nordeste, reduzindo as exportações desses produtos.

Procurada pelo G1, a Petrobras informou, em relação à refinaria de Abreu e Lima, que as projeções iniciais de custo referiam-se a um projeto em fase inicial de avaliação, “cujo grau de definição permitia apenas estimativas preliminares em relação aos prazos e aos custos, especialmente nas parcelas referentes a infraestrutura, requisitos e demandas ambientais, integração entre unidades dentro e fora da refinaria”.

Desde 2008, o TCU já promoveu 7 fiscalizações nas obras de Abreu e Lima. Os problemas encontrados pelos técnicos, segundo relatórios do tribunal, tinham potencial para elevar os custos em R$ 836 milhões.

Um dos problemas apontados é o atraso na execução das obras de instalação das tubovias, rede de dutos de 8 quilômetros que percorre toda a refinaria e serve para fazer o transporte de produtos como o petróleo e seus derivados.

De acordo com o TCU, com o atraso, a Petrobras contratou serviços adicionais das empreiteiras para acelerar as obras. O resultado foi um aumento apurado, até o momento, de R$ 510 milhões.

Duas razões explicam esse atraso, segundo os técnicos do tribunal: a necessidade de a Petrobras relicitar esse serviço, devido aos “preços excessivos” apresentados pelas empresas que participaram das primeiras licitações; e a demora na liberação de áreas para a realização da obra.

Projeto equivocado
O TCU também aponta outro acréscimo no valor da obra, de R$ 210 milhões, por um equívoco do projeto na “caracterização do solo” onde está sendo erguida a refinaria.
“Em outras palavras, a Petrobras havia informado aos licitantes que o nível de resistência do solo era consideravelmente maior do que o efetivamente identificado nos sítios de construção; e tal mudança da premissa geológica implicava inarredável necessidade de alterar a solução de fundação originariamente prevista, com maiores quantidades de estacas e aplicação de estacas com maior diâmetro”, diz relatório do tribunal.
Segundo o documento, esses R$ 210 milhões serão gastos “tão somente” com a compra e instalação de mais estacas para a construção das diferentes unidades dentro da refinaria. Somente na obra das tubovias, diz o relatório, o número de estacas necessárias aumentou em 568%.

A Petrobras informou que “a elaboração dos seus projetos é realizada com base em todas as informações técnicas necessárias e suficientes e que também são observadas as normas técnicas pertinentes (resolução 361/91 CONFEA) e a legislação aplicável.” A estatal informou ainda que “todos os esclarecimentos requeridos pelo Tribunal vêm sendo prestados pela Petrobras, de modo que a companhia acredita que as divergências metodológicas entre a Petrobras e o TCU restarão superadas. Registre-se que os processos relativos às questões de projeto ainda não foram julgados em definitivo.”
Essa alta de custos, estimada pelo TCU em R$ 836 milhões, não inclui um superfaturamento de R$ 69,5 milhões verificado nas obras de terraplanagem de Abreu e Lima, porque o tribunal diz que ações adotadas conseguiram revertê-lo.

Venezuela
A construção de Abreu e Lima era para ser feita em parceria com a PDVSA, estatal de petróleo da Venezuela. Entretanto, a Petrobras está arcando com a obra sozinha – a empresa do país vizinho nunca investiu um centavo. O acordo, firmado entre os então presidentes Lula e Hugo Chávez e que previa que os venezuelanos ficariam responsáveis por 40% dos custos, nunca foi devidamente formalizado.
A presidente da Petrobras, Graça Foster, já classificou publicamente os gastos com a refinaria como uma história a não ser repetida. A obra está hoje incluída no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Em nota, a Petrobras afirmou que em todos os documentos firmados com a PDVSA em relação à refinaria Abreu e Lima, a venezuelana só passaria a ter direitos e obrigações caso efetivamente ingressasse na sociedade, o que não ocorreu. A empresa também disse que a refinaria é estratégica e seria construída mesmo sem parceria.

Comperj
Uma das maiores obras em execução no país, na cidade de Itaboraí, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) terá capacidade para processar 165 mil barris de petróleo por dia quando ficar pronto. Pelo cronograma original, isso deveria ter ocorrido em 2011, mas, hoje, a previsão é que as obras terminem apenas ao final de 2021.
De acordo com o TCU, a estimativa inicial do custo da obra era de US$ 6,1 bilhões (R$ 13,9 bilhões pela cotação atual do dólar), mas novos cálculos apontam que ele deve chegar a US$ 30,5 bilhões (R$ 69,5 bilhões).

Sobre o Comperj, a empresa informa dados diferentes do TCU: segundo a Petrobras, o investimento inicial, em 2010, era de US$ 8 bilhões, sendo hoje previsto em US$ 13,5 bilhões. Segundo a estatal, o aumento no valor da obra e o atraso têm origem em questões relativas a licenciamento ambiental, greves e processos de desapropriações para implantação do acesso de equipamentos especiais. “O adiamento da partida e o maior valor de investimento refletem, principalmente, aplicação de variação cambial, reajuste de contratos e o replanejamento das atividades do empreendimento”.

O tribunal vem fiscalizando as obras do Comperj desde 2008 e, nesse período, encontrou problemas com potencial para gerar sobrepreço estimado em R$ 1,9 bilhão. Desse total, diz relatório do tribunal, R$ 1,7 bilhão corresponde à elevação de preço com que a Petrobras pode ter que arcar para readequar o cronograma de obras das unidades de processamento de óleo, que estão atrasadas.

De acordo com o TCU, esse problema se deve, em parte, a outro atraso: a chegada de equipamentos ultrapesados, chamados UHOS, nas unidades de processo. Relatório do ano passado aponta que esses equipamentos, que pesam mais de mil toneladas, chegaram ao porto do Rio de Janeiro dentro do prazo contratado. Entretanto, permaneciam ali estocados porque as obras necessárias para o transporte deles até o Comperj não ficaram prontas.

Sobre os atrasos provocados por equipamentos que ficaram estocados no Porto do Rio, a Petrobras confirmou que os mesmos foram recebidos no Porto, “porém não foi possível transportá-los até o Comperj, uma vez que a infraestrutura de transporte atualmente existente não permite a passagem deste tipo de carga. Este transporte será viável após a Petrobras concluir a construção de vias de transporte especiais. Os equipamentos UHOS foram retirados do Porto e estão armazenados em área na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro”.

Em função das datas de entrega dos equipamentos, afirma a estatal, foi necessário replanejar os contratos, “de forma a adequar os cronogramas à nova realidade de chegada dos equipamentos UHOS. As adequações geraram aditivos contratuais, celebrados de acordo com as normas, procedimentos internos e legislação aplicável, o que na visão da Petrobras não caracteriza qualquer irregularidade”.

Verba de chuva
Outras fiscalizações na refinaria, de 2008 e 2009, apontaram o pagamento excessivo, pela Petrobras, de verba indenizatória para ressarcir custos da empreiteira responsável pela terraplanagem com as paralisações dos trabalhos ocasionadas por chuvas ou raios, a chamada verba de chuva. O sobrepreço estimado nesse caso, segundo o TCU, é de R$ 76,5 milhões.

O tribunal considerou irregular a metodologia utilizada no contrato de terraplanagem para calcular a indenização, que incluía o pagamento à empreiteira pelos períodos em que seus equipamentos ficavam parados durante as chuvas. A Petrobras defendeu a medida sob a justificativa de que as máquinas, mesmo paradas, precisam ser mantidas limpas, lubrificadas e vigiadas; e que, além disso, parte do maquinário é alugado e as empresas continuam tendo esse custo de aluguel mesmo nos períodos em que ele não é usado.

“Na obra do Comperj, além do grande número de dias de paralisação registrados nas medições, nem todos com justificativas suficientemente detalhadas e aceitáveis, também e principalmente os valores unitários dos equipamentos paralisados se mostraram inaceitáveis, por remunerar custos que a contratada [empreiteira] efetivamente não possui e, por conseguinte, não consegue demonstrar. Como exemplo de tais custos estaria o de depreciação, que a contratada alega possuir, mesmo que os equipamentos totalmente parados não sofram quaisquer desgastes de uso”, diz relatório do TCU sobre o tema.

Ainda de acordo com o documento, em abril de 2009, quando 26,86% dos serviços de terraplanagem tinham sido executados pela empresa, a Petrobras já tinha pago, em verba de chuva, 16,5% acima do valor total previsto no contrato para essa indenização (R$ 130 milhões).

Sobre a fiscalização do TCU realizada nas obras de terraplenagem, que verificou que o critério de medição adotado para o pagamento do ressarcimento dos custos decorrentes de paralisações de frentes de serviços apresentava-se antieconômico, gerando prejuízos estimados em pelo menos R$ 76,5 milhões, a Petrobras diz que “aprimorou seu método de cálculo em relação a essa verba, de forma a convergir com o entendimento do TCU no que ela entendia aplicável ao caso”.

“De qualquer forma, mesmo divergindo do método de cálculo do TCU, a Petrobras tem junto à contratada um seguro no exato valor de R$ 76,5 milhões para cobrir esse suposto prejuízo apontado. Porém, a Petrobras refez os cálculos relativos a essas verbas e os enviou ao TCU para que o tribunal os analise e aponte com exatidão se houve ou não prejuízo. A Petrobras ainda aguarda o resultado dessa análise por parte do TCU, e afirma que não há qualquer prejuízo à companhia”, disse a estatal.

Tubovias
A estatal também negou a existência de sobrepreço nas obras das tubovias, em que técnicos do TCU apontaram desclassificação irregular de empresas que participaram da licitação. “A empresa vencedora do processo licitatório apresentou proposta que atendia ao objeto especificado na licitação e demonstrou a exequibilidade da sua proposta, de acordo com critérios técnicos embasados por normas internacionais de Engenharia. O TCU acatou, parcialmente, o recurso apresentado pela Petrobras, tornando insubsistente o item 9.1 do Acórdão 3.344/2012-Plenário, o qual determinava a anulação da licitação a partir da desclassificação das propostas das licitantes”.

“No Acórdão 1997/2013 – TCU – Plenário foi recomendado à Petrobras a compatibilização do cronograma de execução das obras da tubovia, com o planejamento geral para início da operação do Comperj. Ao final de 2013 houve a cessão integral de direitos e obrigações do contrato das Tubovias da empresa MPE, originalmente contratada, para um consórcio formado por três outras empresas. Os serviços, presentemente, estão planejados de forma a não provocar atrasos na partida do Comperj.”

Pasadena
No caso de maior repercussão, o TCU investiga a compra, pela Petrobras, da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Em 2006, a estatal pagou US$ 360 milhões por 50% da refinaria (US$ 190 milhões pelos papéis e US$ 170 milhões pelo petróleo que estava em Pasadena). O valor é muito superior ao pago um ano antes pela belga Astra Oil pela refinaria inteira: US$ 42,5 milhões.

Em 2008, a Petrobras e a Astra Oil se desentenderam e uma decisão judicial obrigou a estatal brasileira a comprar a parte que pertencia à empresa belga. Assim, a aquisição da refinaria de Pasadena acabou custando US$ 1,18 bilhão à petroleira nacional, mais de 27 vezes o que a Astra teve de desembolsar.

O caso ganhou ainda mais repercussão porque, na época, quem presidia o Conselho de Administração da estatal, que deu aval à operação, era a atual presidente da República, Dilma Rousseff. Ela afirmou, após a abertura de investigações no TCU, Polícia Federal e Ministério Público, que só aprovou a compra dos primeiros 50% porque o relatório apresentado ao conselho pela empresa era “falho” e omitia duas cláusulas que acabaram gerando mais gastos à estatal.

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