Recife testa geomanta para evitar deslizamentos em encostas

Cem pontos de risco da capital devem receber o produto até o fim do ano.
População reclama que gel, aplicado em morros, não surtiu efeito esperado.

A Prefeitura do Recife começou a aplicar nos morros da cidade um novo paliativo para tentar evitar deslizamentos de barreira: a geomanta, um tipo lona mais resistente, composta de PVC com fios sintéticos, que impede a passagem de água durante o período chuvoso. O Executivo municipal contratou uma empresa para colocar o produto em cem pontos de risco, até o fim deste ano, ao custo de R$ 2,4 milhões. Desde o início do ano, foram registrados 52 deslizamentos na capital. Não houve vítimas, mas duas famílias foram removidas para abrigos após as ocorrências.

A Defesa Civil afirmou que pretende avaliar a eficácia da geomanta e rever o custo-benefício em relação ao gel impermeabilizante, recurso utilizado pela antiga e atual gestão. O G1 visitou locais onde o gel foi colocado e ouviu moradores insatisfeitos com a solução.

Na escala dos recursos utilizados pela Defesa Civil, primeiro vem a lona, depois o gel e, agora, a geomanta. Por fim, o muro de arrimo, tido como a solução definitiva. “Uma empresa nos apresentou a geomanta e fizemos dois testes, uma na Vila dos Milagres, no Ibura, e outro no Alto do Maracanã, em Dois Unidos, entre o segundo semestre do ano passado e o começo deste ano.

Gostamos do resultado e decidimos abrir licitação para contratar o serviço”, explicou o secretário-executivo do órgão, tenente-coronel Adalberto Freitas Ferreira.

A empresa TDC Construções Ltda. venceu a licitação para colocação do material, em março passado. Os primeiros 1.680 metros quadrados foram aplicados no Alto do Maracanã, na Zona Norte do Recife, há exatamente um mês, dentro da Operação Inverno. Nestes primeiros 30 dias, a geomanta impermeabilizante de PVC está sendo aplicada em outros 66 pontos de risco situados em localidades como Alto da Telha, Córrego Manoel Carroceiro, Lagoa Encantada e Córrego do Euclides.

Antes da aplicação da geomanta, foi preciso limpar e regularizar o terreno das encostas, além de abrir valas nos topos para poder cravar o produto no solo. O passo seguinte é executar o chapisco projetado, espalhando sobre a geomanta um líquido que mistura água, areia, cimento e alguns aditivos.

Por fim, pinta-se toda a superfície acinzentada de verde para melhorar a aparência. “A geomanta é mais resistente, impermeável e durável que a lona plástica, tem proteção contra raios UVA e UVB e tem durabilidade mínima de cinco anos”, disse o engenheiro responsável pela TDC, Eduardo D’Angelo.

O engenheiro também explicou a diferença para o gel. “O gel é uma emulsão de base acrílica, age como se fosse uma cola grudando os grãos de areia para impermeabilizar o terreno, mas, por exemplo, permite que cresça uma vegetação e as raízes cortam esse efeito. A geomanta dá uma proteção física ao solo”.

O padeiro Genildo Agripino observou a colocação da geomanta nas barreiras que rodeiam a residência dele, no Alto do Maracanã. Mesmo sem saber muito bem do que se tratava, depositou confiança em um inverno mais tranquilo.

“Sempre colocaram lonas plásticas aqui, mas não segurava a chuva e a água entrava na minha casa. Tomara que isso [a geomanta] proteja mais. O bom mesmo seria um muro de arrimo”, comentou.

De acordo com o secretário-executivo da Defesa Civil do Recife, a geomanta é um paliativo enquanto a prefeitura capta recursos para a construção de muros de arrimo. “Os muros são mais caros e demora-se mais para construí-los, e a cidade tem muitos pontos de risco [veja quadro acima]. Enquanto a URB [Empresa de Urbanização do Recife] constrói, a gente usa essas outras ferramentas para prevenir acidentes”, aponta.

A URB informou que concluiu seis obras em áreas de encosta desde 2013, incluindo a construção de muro, escadaria e drenagem. Outras 17 obras, orçadas em R$ 28 milhões, estão em andamento e devem ser entregues entre maio e outubro deste ano. O órgão acrescentou que, ainda este ano, a prefeitura dará ordem de serviço para 104 obras, orçadas em R$ 150 milhões, recurso obtido por meio da Caixa Econômica Federal. Localidades nos bairros do Jordão, Ibura, Cohab, Vasco da Gama, Dois Unidos, Nova Descoberta, Bomba do Hemetério, Alto José Bonifácio, entre outras, serão beneficiadas.

Má experiência
A dona de casa Gerusa Alcântara, 60 anos, ainda guarda as fotos da época em que agentes da Prefeitura do Recife aplicaram um gel que prometia impermeabilizar as barreiras que ficam na frente e atrás da residência dela, na Rua Britânia, no Jordão, há cerca de dois anos. Nem o cheiro ruim do material nem o vaivém de trabalhadores dentro da intimidade do lar incomodaram, afinal, ela estava feliz com o que parecia ser a solução definitiva para acabar com o medo de conviver tão próximo do perigo.

A esperança, no entanto, durou pouco. “Eles cavaram para tirar as plantas e depois aplicaram o gel. A gente até ficou feliz, mas quando veio uma chuva mais forte, o gel foi todo embora e a barreira ficou soltando barro. Até uma parede minha rachou depois”, disse. Segundo Gerusa, o gel foi aplicado outra vez, mas o efeito não mudou. “Tive que pedir lona para este inverno. Já perdemos um lado todo da casa, não queremos passar por isso de novo”, lamentou.

A dona de casa Eliane Gadelha não esperou um sinal verde da Prefeitura. Ela foi ao banco e negociou um empréstimo de R$ 30 mil para construir dois muros de arrimo, colocar canaletas para escoar a água da chuva e uma escada entre as residências dela e da filha, na Rua Mirizal, no Jordão. O gel também foi aplicado nas antigas barreiras, mas, segundo Eliane, não deu certo. “Eu não senti diferença nenhuma, a primeira chuva levou tudo”, comentou.

É fácil perceber onde o gel foi aplicado, pois a terra fica esverdeada. Em uma barreira na Rua Ubatanga, também no Jordão, ainda dá para ver o barro colorido. A dona de casa Gilvanete Cabral mora bem ao lado da barreira e acredita que o produto “deu uma segurada” no deslizamento do barro. “Mesmo assim, colocaram lona aqui há pouco mais de um mês, e ela já está toda rasgada”, relatou.

Já a dona de casa Edilane Leite, que mora na Rua Josias Rodrigues dos Santos, em cima da barreira, acha que o produto não tem surtido efeito.

“Eles botaram uma vez e nunca mais. Talvez, se houvesse manutenção, desse certo”, disse. Uma casa vizinha já foi demolida pela Prefeitura por estar arriscada a cair. Hoje, a preocupação maior de Edilane é mesmo uma mangueira que ameaça desabar sobre a residência dela.

Uma reportagem postada no site da Prefeitura, em 2012, explicava que o gel impermeabilizante, fabricado com base bio-óleo vegetal e polímero acrílico, evitava a degradação do solo e recompunha a vegetação, retendo a umidade para não permitir a desfragmentação e consequente deslizamento. Até o fim de 2012, o gel já tinha sido aplicado em mais de 44 mil metros quadrados, em 16 pontos de risco. A reportagem ainda dizia que o produto tinha durabilidade de cinco anos, devendo ser feito um reforço anual, com a reaplicação de 20% do que foi utilizado anteriormente.

O secretário-executivo da Defesa Civil do Recife afirmou que um contrato com a empresa Via Encosta, que aplicava o gel, ainda estava em vigência quando a nova gestão assumiu a Prefeitura, em 2013. “Nós terminamos o compromisso e ainda colocamos um aditivo, em convênio com o Ministério da Integração.

Neste momento, não estamos mais aplicando porque estamos sem empresa contratada”, disse o tenente-coronel Adalberto Freitas Ferreira.

Questionado se a Defesa Civil voltaria a usar o produto, o secretário-executivo afirmou que será feito um estudo sobre o custo-benefício do gel em relação à geomanta. “Se usarmos o gel, vamos readequar o termo de referência para melhorar a fiscalização da aplicação, vinculando um laboratório para ajudar”, apontou.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *