Eleição em meio à guerra civil na Síria deve reafirmar Assad no poder
Áreas sob controle rebelde não devem ter votação nesta terça-feira (3).
Lei eleitoral impediu que opositores do atual regime se candidatassem.
Começaram nesta terça-feira (3) as eleições presidenciais da Síria, que vive uma guerra civil há mais de três anos. O processo deve confirmar Bashar al-Assad no poder. Um dos motivos é que só deve haver votação nas áreas sob o controle de seu exército, após mais de três anos de uma guerra civil que deixou o país em ruínas.
Mais de 15 milhões de sírios estão convocados a votar e o presidente só terá como rivais dois candidatos autorizados por ele para tentar legitimar a consulta: o deputado independente Maher al-Hayar e o empresário membro da oposição tolerada Hassan al-Nuri.
Nenhum adversário real do regime participa da eleição que, em teoria, é a primeira em mais de meio século para eleger o chefe-de-Estado sírio. Tanto Bashar quanto seu pai, Hafez al-Assad, que governou com mão-de-ferro entre 1970 e 2000, foram designados mediante referendos.
Como informa a agência AFP, os opositores denunciam uma farsa porque o poder se blindou contra qualquer imprevisto ao impedir as candidaturas de exilados e exigir que qualquer aspirante ao cargo contasse com o patrocínio de 35 deputados de um Parlamento amplamente dominado pelo governismo.
São “concorrentes” de Assad nesta votação dois candidatos pouco conhecidos: o deputado Maher Abdel Hafez Hayar, membro da oposição tolerada, e o ex-ministro Hassan Abdullah al Nouri.
Nascido em 1960, na capital Damasco, Nouri foi ministro de Estado para o Desenvolvimento da Administração Pública e de Assuntos Parlamentares entre 2000 e 2002, além de deputado de 1998 até 2003.
Por sua vez, Hayar (nascido em Aleppo, em 1968) tem um amplo histórico de militância em partidos de esquerda. Em 2003, detalha a agência Efe, fundou junto com outros dirigentes esquerdistas o Comitê Nacional Comunista da Síria e foi um de seus líderes até que a legenda mudou seu nome para Partido da Vontade Popular, tornando-se secretário-geral de seu conselho executivo.
Este grupo é um dos integrantes da Frente Popular para a Mudança e a Libertação (FPCL), um dos principais agrupamentos da oposição tolerada pelas autoridades e que conta com cadeiras no parlamento.
Tanto Hayar como Nouri desenvolveram campanhas baseadas em anúncios pela televisão e nas redes sociais e empregaram um discurso similar ao de Assad, fundamentado na ‘luta contra o terrorismo’ para pôr fim à guerra na Síria.
As candidaturas destes dois aspirantes, junto com a de Assad, foram as únicas declaradas válidas do total de 24 que foram apresentadas à Suprema Corte Constitucional, que descartou aquelas que não cumpriam com os requisitos estabelecidos pela lei eleitoral.
Segundo a norma, aprovada em março pelo parlamento, os aspirantes devem ter o apoio de pelo menos 35 dos 250 deputados do parlamento unicameral, que só podiam respaldar um candidato por pessoa.
“Esta eleição não se propõe a medir a popularidade do regime, mas a demonstrar sua capacidade de forçar o país, ou melhor, as regiões que controla, a apresentar sua fidelidade”, afirma Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão de Política Externa e Assuntos de Segurança.
Votação em 40% do território
Teoricamente, todos os sírios com mais de 18 anos estão convocados a votar, inclusive os sete milhões de deslocados internos pela guerra civil. Mas na prática a organização da consulta é mais complexa.
“As eleições serão realizadas em todas as cidades da Síria, exceto Raqa”, totalmente controlada pela organização jihadista radical Estado Islâmico do Iraque e Levante (EIIL), disse à AFP o porta-voz da Corte Constitucional síria, Majed Jadra.
Mas a menção às cidades dá a entender que não existirão centros de votação em distritos rurais, como os que cercam Damasco, ou os do norte e do leste do país, nem tampouco nos bairros sob controle dos insurgentes em cidades como Aleppo ou Deir Ezzor.
Dos três milhões de sírios refugiados ou residentes no exterior há apenas 200 mil inscritos nas listas eleitorais de 38 embaixadas, segundo uma fonte do ministério sírio das Relações Exteriores, citada pelo jornal “Al-Watan”.
“É um número relativamente aceitável, levando-se em conta que países como França, Alemanha e Bélgica proibiram os cidadãos sírios” de participar da votação, acrescentou a fonte, em referência à posição destes países, que preconizam uma saída política da guerra civil e questionam a legitimidade do regime de Assad.
Os Emirados Árabes Unidos (EAU) também proibiram na terça-feira a organização da consulta em seu território, o que lhe valeu a denúncia por parte de Damasco de ter se unido ao clã de países que conspiram contra a Síria.
O conflito sírio deixou 162.000 mortos, tanto combatentes dos dois grupos quanto muitos civis. O banho de sangue começou em março de 2011 com a brutal repressão de manifestações pacíficas.
Um acordo Irã-Arábia
“Bashar quer demonstrar que é uma alternativa política e que é capaz de restabelecer a ordem e a legalidade’, afirma Suhail Belhadj, um analista francês, autor de um livro sobre o regime de Assad.
As eleições, denunciadas pelas potências ocidentais e por vários países árabes, contam com o apoio de Irã e Rússia. E ocorrem num momento favorável para as tropas do regime, apoiadas pelos combatentes do Hezbollah xiita libanês, embora os avanços em terra sejam até agora limitados.
O regime pode, por sua vez, comemorar a sangrenta guerra interna do campo opositor em algumas regiões, entre o EIIL e a Frente Al-Nosra, braço sírio da rede Al-Qaeda.
Os analistas não acreditam que irão ocorrer mudanças importantes depois das eleições. “Talvez haja uma recomposição ministerial, mas não há nenhuma razão para esperar uma mudança política’, sustenta Aron Lund, autor de várias colunas sobre o conflito sírio em publicações do Instituto Sueco de Relações Internacionais.
Para Volker Perthes, as eleições “complicam, mas não impossibilitam uma saída política”.
E ela deve passar, segundo afirma, por “uma discussão entre o Irã e a Arábia Saudita (que apoia os insurgentes) sobre uma divisão do poder em Damasco’.