Ministro Luís Barroso: “criamos um país de ricos delinquentes”
Dono de um dos votos mais comentados durante o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aconteceu no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia de ontem (4) e que acabou por expor a fragilidade do sistema judicial brasileiro, o ministro Luís Barroso, listou aquilo que classificou como “consequências devastadoras” do entendimento anterior do STF no sentido de que um réu só poderia iniciar o cumprimento de sua pena após o esgotamento de todos os recursos nas instâncias superiores.
“Deu-se um poderoso incentivo à interposição infindável de recursos protelatórios para impedir a conclusão do processo e gerar artificialmente prescrições. O segundo impacto extremamente negativo disso foi sobre a seletividade do sistema penal brasileiro, que tornou muitíssimo mais fácil prender um menino com 100 gramas de maconha do que prender um agente público que desviou 10, 20 milhões de reais dos cofres públicos”, afirmou.
“E o terceiro resultado disso foi o descrédito da Justiça junto à população. Que não é a sensação de impunidade, é a impunidade de verdade”, continuou o ministro.
Ainda em seu voto, Barroso afirmou que não deseja deixar “para os seus filhos” o País que seria fruto de toda essa impunidade por ele levantada: “um paraíso de homicidas, estupradores e corruptos”.
“Prendemos muito e prendemos mal, é um lugar comum mas é absolutamente verdadeira. (…) Mais de 50% da população carcerária não está presa pelas duas mazelas que afligem a sociedade brasileira: violência e corrupção. Nós não prendemos os verdadeiros bandidos no Brasil. (…) Um sistema penal que não funciona com um mínimo de efetividade desperta os instintos de se realizar justiça pelas próprias mãos. Nós regrediremos ao tempo da justiça privada. (…) Um sistema judicial que não funciona faz as pessoas pensarem que o crime compensa,” disse Barroso após citar o caso de um pai que confessou ter sido demovido da ideia de fazer “justiça com as próprias mãos” pelos seus advogados.
“Eu me recuso a participar, sem reagir, de um sistema de justiça que não funciona. E, quando funciona, é para prender menino pobre”, afirmou. “Criamos um país de ricos delinquentes”, disse ele, afirmando que o pobre não é, muitas vezes, julgado em tribunal algum.
“O sistema funciona muito mal e, portanto, presidente, por todas essas razões, acho que devamos manter o entendimento judicial de 2016. (…) Por essas razões jurídicas, empíricas e pragmáticas, e por que o país precisa de uma interpretação constitucional que ajude a superar esse passado de impunidade e de incentivos errados para o mal, eu voto pela manutenção da jurisprudência”, pontuou o ministro.