‘Estou acreditando nesse recomeço’, diz dependente sobre novo programa
Flanelinha de 43 anos vive em barraco na região da Cracolândia, em SP.
Ele será levado a hotel da região e irá trabalhar em atividades de zeladoria.
Os dependentes químicos que vivem nas ruas da Cracolândia, no Centro de São Paulo, dizem ver com otimismo a Operação Braços Abertos, programa da Prefeitura de São Paulo que irá oferecer R$ 15 por dia de trabalho, além de moradia em hotéis da região e refeições. Cerca de 300 pessoas que moram em barracos nas calçadas nas ruas Helvétia e Dino Bueno começam a trabalhar em atividades de zeladoria em praças ainda nesta semana.
O flanelinha Alexandre José dos Santos, de 43 anos, que mora há 4 meses em um dos barracos montados na calçada da Rua Dino Bueno, espera mudar de vida com a nova oportunidade de trabalho e está feliz com a reinserção social. “Eu estou acreditando nesse recomeço, com mais esperança no serviço, que falaram que é de limpeza urbana. Não tanto pela moradia, mais pelo emprego. Moradia depois a gente conquista”, afirmou.
Ele conta que morava em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, e chegou à Cracolândia após uma briga com familiares. Usuário de crack desde 1990, o flanelinha diz que costumava frequentar o local somente aos domingos antes da mudança. “Eu acordo cedo, vou para a República, olho uns carros, umas 17h eu volto, pago um hotel, tomo um banho, faço minha higiene pessoal por R$ 6. Depois, eu consumo minha droga de preferência, que é o crack”, relata Santos ao G1.
Apesar de o tratamento médico para o término da dependência não ser obrigatório, Santos acredita que ele seja fundamental para o sucesso do programa. “Se tiver uma ajuda por parte da saúde vai ser bom, mas só levando a gente pra um albergue ou dando moradia, não adianta. Tem que ter um acompanhamento psicológico”, ressalta o flanelinha, que conta já ter passado por tratamento antes.
Quanto ao cenário da Cracolândia, Santos acha que pouca coisa irá mudar após a desocupação das calçadas. “As barracas podem acabar, mas a Cracolândia nunca acaba. O vício continua.” Segundo o cronograma da Prefeitura, Santos deve ser levado para um hotel nesta quarta-feira (15).
Cheia de expectativa, uma usuária de drogas de 29 anos, que preferiu não divulgar o nome, arrumava seus pertences no início da noite desta terça-feira (14) para levar para seu novo lar. Ela já sabe o hotel que vai ficar na Rua Helvétia, onde dividirá o quarto com um companheiro. “Dei sorte, vou ficar em uma suíte no melhor hotel da região”, disse, animada.
Vivendo há 8 meses nas ruas da Cracolândia, ela abandonou sua casa na Zona Sul da capital paulista para ficar mais próxima do seu vício. “Prefiro o crack, mas uso de tudo um pouco”, relatou. Já Rita Rose, uma das líderes do grupo dos dependentes, que diz ter intermediado as negociações da ação entre a Prefeitura e usuários, espera ter uma vida melhor acomodada em um hotel. “Tenho câncer, vou poder ter uma vida melhor, com mais saúde. Não vou ficar mais debaixo de chuva e terei uma cama para deitar”, disse ela.
Até a noite desta terça-feira (14), somente uma parte da Rua Helvétia havia tido os barracos desmontados. Funcionários da limpeza urbana retiravam sacos de lixo e varriam o chão após lavagem. O local também era vigiado por guardas civis metropolitanos e policiais militares.
Braços Abertos
A Operação Braços Abertos é uma nova tentativa de solucionar o problema do uso de drogas na região central da cidade. Cerca de 300 pessoas que moram em barracos nas calçadas nas ruas Helvétia e Dino Bueno se mudarão para cinco hotéis na região.
O governo municipal pretende, assim, também liberar o uso dessas ruas e calçadas ao público após cerca de três meses de ocupação. Os barracos começam a ser desmontados nesta terça, mas a ação será intensificada nesta quarta-feira (15).
Cada usuário participante do programa vai receber R$ 15 pelo dia de trabalho. Segundo a secretária municipal de Assistência Social, Luciana Temer, a estratégia não busca que os usuários larguem a droga imediatamente, mas, sim, “despertar nessas pessoas o desejo de transformação”.
Eles não serão desligados do programa se faltarem no trabalho. O ideal é que isso aconteça, no entanto, quando precisarem se tratar, segundo a estratégia. Equipes vão acompanhar os participantes e eles serão descredenciados apenas quando realmente não mostrarem mais interesse em participar.
Nesta quarta, a Prefeitura levará caminhões até o local para começar a retirada oficial da favela. Os barracos serão desmontados pelos próprios moradores, com apoio e coordenação da ONG União Social Brasil Gigante. Segundo Luciana, a ideia é que o programa não seja algo imposto, para que os moradores não se fechem à iniciativa.
No total, a Prefeitura oferta 400 vagas, mas 300 pessoas já foram cadastradas em um trabalho de aproximação feito pela Prefeitura desde o ano passado. No processo, duas pessoas já declararam que não desejam participar. O custo por pessoa para a Prefeitura será de cerca de R$ 1.215 mensais por participante, incluindo por exemplo os valores que serão pagos com os hotéis. Os participantes terão café, almoço e jantar pelo programa Bom Prato.
Dependentes que têm companheiros ficarão em um quarto. No caso dos solteiros, eles ficarão hospedados em quartos com três ou quatro pessoas, segundo a Prefeitura.
Apesar do foco no trabalho, a ação é voltada e comandada pela área da saúde. O atendimento se dará especialmente no equipamento denominado Braços Abertos, instalado na região. Equipes do programa Consultório de Rua, que são vinculadas à UBS Santa Cecília e fazem abordagem aos usuários, continuarão seu trabalho.
Segundo o secretário José de Filippi Júnior, as ações até 2012 eram voltadas à internação, preferencialmente em locais afastados. Ele afirma que a operação anterior, por ter um foco maior do que atual, segundo ele, em internações e na força policial, acabou afastando os usuários. O secretário disse que a atual gestão começou a estruturar uma Política de Álcool e Droga em janeiro de 2013.
O secretário municipal da Segurança, Roberto Porto, afirma que a PM vai monitorar a ação. Já a Guarda Civil Metropolitana recebeu treinamento para a ação e terá como uma das funções impedir o surgimento de novos barracos. Porto afirmou que, apesar do caráter de saúde de ação, também será coibido o tráfico de drogas.
Histórico de intervenções na Cracolândia
Antes da Operação Braços Abertos, a mais recente tentativa de intervenção na região havia ocorrido em 2012. Batizada de “Ação Integrada Centro Legal”, a operação deflagrada em 3 de janeiro de 2012 intensificou ações já realizadas pela Prefeitura de São Paulo, à época sob comando de Gilberto Kassab, e apoiadas pelo governo do estado no local desde 2009.
O governo estadual afirma que as medidas adotadas em 2012 na região tiveram como foco ampliar a oferta de atendimento e de acolhimento social aos dependentes. Entretanto, no período, o uso de forças de segurança (Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana) terminou em protestos de ativistas, Defensoria e representação do Ministério Público.
Após registro de imagens que mostravam ação ostensiva da PM, o governador Geraldo Alckmin decidiu proibir o uso de bombas de efeito moral e balas de borracha em ações na Cracolândia.
À época, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos – Inclusão Social questionou a falta de justificativas para uma ação do tipo, que impedia o livre direito de ir e vir e criava as chamadas “procissões do crack”, quando os dependentes eram impedidos de ficar parados e seguiam escoltados pela PM por ruas da região. A Defensoria Pública também questionou o uso da força policial na Ação Integrada.
Um ano depois da operação, o G1 visitou ruas do centro e verificou que os dependentes permaneceram na região e que o número de vias com usuários monitoradas em São Paulo aumentou de 17 para 33. Foi no começo de 2013 que o governo de São Paulo criou medidas para facilitar a internação de dependentes.
Do G1