A briga pela água no Vale do São Francisco

Empresa mineira retém água que é necessária para a produção e consumo humano no Sertão

Fernando Castilho / Jornal do Commercio

PETROLINA – No ano em que a fruticultura se recupera com bons preços no mercado externo, seja pelo dólar em alta, seja pela qualidade da fruta que colhe devido às excelentes condições climáticas, o Vale do São Francisco vê surgir um problema inusitado: a ameaça de faltar água no maior projeto de irrigação do Nordeste, o Senador Nilo Coelho.

Pode parecer absurdo um projeto de irrigação localizado às margens do Rio São Francisco, em Pernambuco e na Bahia, ter que administrar este risco para sua atividade agrícola. Tudo é resultado de uma briga.

A Cemig – empresa mineira que administra a Barragem de Três Marias (MG) – faz questão de reter 100 m³/seg. Ao “segurar” este volume lá no Sudeste, a Cemig impede que a Chesf o receba no Lago de Sobradinho (BA), no Sertão do São Francisco.

Nesta confusão toda, a primeira semana de dezembro será decisiva. É quando o nível de água que corre pelo Velho Chico poderá ficar tão baixo que a captação necessária para irrigar o complexo (14m³/seg) fique inviável. O bombeamento não vai funcionar.

Não fosse uma ameaça tão séria, o Vale só teria motivos para celebrar. Enquanto o País vive uma crise seriíssima, a região de Petrolina, Juazeiro e outros municípios teve a maior geração de empregos para a colheita da safra dos últimos cinco anos. Mais dinheiro está circulando no Vale. Mangas e uvas estão sendo vendidas para os mercados americano e europeu. O câmbio valorizado só ajuda.

Mas voltemos à questão da água. É preciso entender alguns números. A barragem de Três Marias (que pode acumular 21 bilhões de m³) tem hoje 18,82% de sua capacidade. Libera apenas 500 m³/seg para o Nordeste. O Lago de Sobradinho, capaz de guardar até 34 bilhões de m³ tem apenas (5,73%), e libera minguados 900 m³ p/seg para o rio seguir seu curso até a foz.

O problema é que se mantiver esse nível em novembro o São Francisco estará tão seco que precisará desses 100 m³ de Três Marias para que a água continue a ser captada pelo Projeto Nilo Coelho, onde estão 18,5 mil hectares irrigados em plena colheita. No projeto, trabalham 18.100 pessoas. Porém, mais de 100 mil dependem dele. Para complicar ainda mais situação, tem a população Afrânio e Dormentes, que depende do Nilo Coelho para beber água.

Não é uma equação simples de se resolver, mas todos os órgãos envolvidos na questão recomendam a liberação da água. Se a Cemig não atender o que diz o Operador Nacional do Sistema, a Agência Nacional das Águas (ANA) e os demais órgãos que compõe o Comitê das Bacias do Rio São Francisco, o Projeto Senador Nilo Coelho vai parar na primeira semana de dezembro.

Um batalhão de pessoas, entre prefeitos, políticos, empresários e dirigentes entidades de agroindústrias, vem debatendo esse 100m³ p/seg. A Cemig defende guardar sua água por que entende que eles farão falta na geração de energia e na administração de outros projetos e abastecimento de cidades que dependem de Três Marias. A Chesf, por sua vez, adverte que se liberar menos de 900 m³/seg. em Sobradinho, o complexo agroindustrial do Vale simplesmente não poderá captar mais água.

A situação já levou o governo autorizar a construção de um sistema de captação auxiliar formado por bombas de sucção flutuantes. O sistema vai chegar diretamente ao leito do Rio São Francisco e é orçado em R$ 35 milhões. Mas ele só vai ficar pronto em janeiro de 2016, devendo ficar operando até abril quando as águas do período chuvoso em Minas devem começar a achegar em Sobradinho. E é isso que assusta os produtores. Não há como esperar.

Cenário externo é bom

Sem água no Projeto Nilo Coelho, todo o agronegócio construído ao seu redor vai parar. O efeito vai de pequenos produtores que colhem manga e uvas para exportação à agroindústrias que transformam a polpa em sucos e concentrado de acerola para a indústria farmacêutica.

A ameaça vem num momento em que o cenário externo é positivo para o setor. Uma caixa de seis quilos de uva no exterior atualmente custa em torno de US$ 12. Já o preço de uma tonelada do concentrado de acerola está em US$ 16 mil dólares.

QUALIDADE – Além do câmbio favorável, a este ano, a qualidade da safra – pela insolação na Região Nordeste – fez com que o quilo da uva sem semente para exportação chegasse a R$ 2 na fazenda. Uma vez nos Estados Unidos, a caixa de oito quilos é vendida a R$ 48. Não foi só o dólar que ajudou. A safra do Vale hoje já não depende apenas do mercado externo.

É que o crescimento da renda do brasileiro nos últimos anos fez ele acostumar-se a consumir mais uva e manga in natura e, mesmo com a crise, as vendas estão tendo bons preços pois os R$ 0,70 pelo quilo da uva, na fazenda, remunera os produtores.

O ano de 2015 já é considerado o ano da recuperação da economia do Vale, mas a incrível ameaça da uma falta d’água para irrigação acrescentou à lista de problemas normalmente a serem enfrentados pelos produtores da fruticultura irrigada, algo inédito, o desafio de como irrigar seus pomares mesmo estando na beira do Rio São Francisco.

Goiaba, coco, limão, pinha…

A Região do Vale do São Francisco tem “novos” personagens na produção de frutas irrigadas, notadamente uva e manga, que ancora 80% do negócio embora ali já se produza comercialmente em grande volume, pinha, goiaba, acerola, macaxeira, jerimum, coco e limão. Mas o negócio ainda é, essencialmente, uva e manga.

A região entrega atualmente 68% da manga e 98% da uva irrigada do País. Além disso, 90% da fruta (manga e uvas de mesa) para exportação no Brasil saem do Vale do São Francisco.

As outras culturas são “novas” pelo perfil econômico e produtivo porque são os que sobreviveram a, pelo menos três crises, no setor em várias décadas.

“A terceira geração do Vale chegou para trabalhar em atividades de suporte à fruticultura, se encantou pelo negócio e nunca mais saiu”, diz Marcos Iuri Alencar, um cearense dono de um lote empresarial no Projeto Senador Nilo Coelho. Marcos Iuri gera 35 empregos fixos, entre eles o do irmão que é agrônomo e que se especializou nas duas culturas. Na colheita da safra, ele dobra esse número funcionários.

Este ano, ele comemora a safra dos dois produtos distribuídas entre 60% para o mercado interno e 40% para serem entregue a empresas exportadoras. Ele é um dos que estão engajados na luta pela manutenção da vazão em Sobradinho. O desafio, diz, é manter o fluxo d’água em dezembro. “Precisamos manter o canal de acesso com água pois novembro e dezembro são os meses em que a região mais utiliza água”.

Empregos e negócios sob risco

Se Três Marias não elevar o fluxo de água para 600m³p/seg, milhares de plantas não vão aguentar esse estresse hídrico. Estamos falando de um negócio de mais de R$ 1 bilhão em investimento agrícola, tecnologia de irrigação de ponta e conhecimento de manejo e infraestrutura.

O Projeto Senador Nilo Coelho se espalha nos municípios de Casa Nova (BA) e Petrolina (PE), onde estão implantados 12.520 hectares de lotes familiares e mais 6.043 hectares de lotes empresariais. São 18.100 empregos diretos e mais 100 mil pessoas ligadas ao projeto.

Até 2009, o governo federal gastou ali R$ 530 milhão num complexo de quase 1 mil quilômetros de canais. O conhecimento de manejo ao qual se refere o empresário Marcos Iuri Alencar está na geração de produtores que sobreviveu à crises de mercado, doenças nas culturas e ao câmbio defasado.

Mais de 80% do atuais produtores já não faz parte dos selecionados no final da década de 90. Mudaram também os métodos de irrigação, o controle da água passou a ser mais rígido usando hoje apenas gotejamento, mas milhares de colonos e empresários ficaram pelo caminho. “Não tem mais espaço para quem não investiu em tecnologia, gerenciamento financeiro e capacitação de seu pessoal para cuidar das culturas”, diz o empresário.

“O ano de 2015 está se configurando como o de recuperação da maioria dos agricultores, mas temos um passivo de cinco anos ruins. O clima ajudou, o dólar ajudou e o mercado interno está absorvendo nossa fruta. A última coisa que desejamos é ver nossos pomares secarem em dezembro por falta d’água estando na beira de um rio como o São Francisco”, conclui.

INICIATIVA – No começo do mês, uma comitiva de deputados e senadores, liderados pela ministra da Agricultura, Katia Abreu, e pelo da Integração, Gilberto Occhi, foi a Petrolina assinar uma ordem de serviço para uma obra de R$ 35 milhões. Trata-se de uma iniciativa suficiente para garantir o futuro do complexo agroindustrial onde foi investido mais de R$ 1 bilhão, no Projeto Senador Nilo Coelho. Contrataram o novo sistema de captação de água com bombas flutuantes que serão instaladas no leito do Rio São Francisco. O sistema, com capacidade para retirar até 14 m³ p/seg., será um seguro para os próximos anos quando se sabe que a realidade de afluência ano Velho Chico só vai diminuir. Talvez, com este sistema, não precisemos mais brigar por água.

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