Acidentes com animais peçonhentos no país dobram em 10 anos
Crescimento é preocupante, diz pesquisadora do Instituto Butantan.
Ação do homem no meio ambiente tem provocado fenômeno, afirma.
Os acidentes com animais peçonhentos vêm aumentando no Brasil: entre 2003 e 2013, o número de ocorrências pulou de 75.642 para 162.234, crescimento de 114,5%, segundo dados do Ministério da Saúde.
O assunto veio à tona na conferência de abertura da XXIX Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), que acontece esta semana em Caxambu, Minas Gerais. De acordo com a médica Fan Hui Wen, pesquisadora do Instituto Butantan, o aumento se deve principalmente a alterações ambientais provocadas pelo homem.
No caso dos acidentes com escorpiões, que foram responsáveis por 79.481 acidentes notificados no ano passado, o crescimento pode ser atribuído à degradação do ambiente urbano, principalmente nas periferias, segundo a pesquisadora. “O acidente por escorpião vem sendo registrado principalmente nessas áreas, em regiões onde as condições sanitárias não são as mais adequadas. Temos visto isso principalmente nas capitais do Nordeste”, diz Hui.
Quanto às lagartas, que começaram a provocar acidentes principalmente na Região Sul do país na década de 1980, o problema tem sido o desmatamento. “Elas começaram a surgir em função de quase não haver mais mata nativa na região sul.
Não é um processo de um ano para o outro, mas acontece ao longo do tempo até que chega um limiar em que esses animais não têm como buscar seu sustento no que restou do que era seu ambiente, então vão buscar essas condições no ambiente urbano”, diz a pesquisadora. As lagartas provocaram 3.739 acidentes no ano passado.
Acidentes com aranhas também tiveram um boom na década de 1980, principalmente com o crescimento das cidades do Paraná. No ano passado, foram 29.816 picadas de aranha no Brasil.
Já o aumento das picadas de cobra pode ter relação com iniciativas como a concessão de hidrelétricas e abertura de espaços anteriormente cobertos com mata nativa principalmente na Amazônia. “Essas alterações ambientais já vêm sendo estudadas há algum tempo e demonstra-se que em locais onde elas acontecem, o número de acidentes começa a sair do que seria esperado para aquele local”, observa Hui. No ano passado, 28.247 picadas de cobra foram notificadas no país.
Para a médica, apesar de o soro anti-veneno já ser um tratamento consolidado, a ciência ainda pode contribuir muito no desenvolvimento de estratégias complementares de tratamento dos acidentes com animais peçonhentos, principalmente no que diz respeito aos efeitos locais das picadas. O soro corta o efeito sistêmico do veneno, mas muitos pacientes têm os membros atingidos necrosados e amputados.
Segundo ela, muitos desses efeitos não são provocados diretamente pelo veneno, mas pela ativação de componentes do organismo que geram uma resposta secundária. “A busca de tratamentos complementares visa encontrar substâncias capazes de bloquear essa ativação secundária”, diz. Segundo ela, algumas estratégias já foram testadas em animais, mas ainda falta que esses conhecimentos passem da bancada do laboratório para testes com humanos.
Do G1