Burocracia dificulta importação de material de pesquisa, dizem cientistas
Demora pode manchar imagem da pesquisa brasileira, afirmam.
Anvisa e Receita Federal dizem cumprir prazos corretamente.
O excesso de burocracia de órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Receita Federal têm atrasado a liberação de insumos importados para pesquisas científicas realizadas por diversas instituições brasileiras, emperrando o desenvolvimento científico do país, de acordo com pesquisadores ouvidos pelo G1.
Segundo eles, a exigência de documentos, termos de responsabilidade e pagamento de taxas para liberação de materiais — que acabam não acontecendo na data prevista — pode manchar a imagem da pesquisa brasileira com instituições do exterior.
O caso mais recente foi divulgado na internet pela pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ela, células-tronco utilizadas em sua investigação foram enviadas em um pacote com gelo seco pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e ficaram retidas no Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP) entre o dia 5 e 14 de dezembro, quando foram liberadas pela da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após o preenchimento de vários documentos.
Sua preocupação era que o material genético pudesse estragar devido ao tempo de espera para liberação, considerado demorado pela pesquisadora.
O material chegou para a cientista no último dia 17 e, aparentemente, as células estão em bom estado. No entanto, segundo Lygia, há relatos de cientistas que passaram por experiência parecida que não tiveram a mesma sorte porque os materiais estragaram.
“Pedem para internacionalizar a pesquisa e, quando a gente faz isso, tem essas barreiras legais. Existe um labirinto jurídico que nem o próprio governo consegue resolver”, disse. Sobre o caso de Lygia da Veiga, a Anvisa afirma que a carga só foi apresentada para inspeção no dia 10 e liberada no mesmo dia.
Problemas não são pontuais, diz entidade
Com mais de 2.600 associados, a Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), que integra cientistas atuantes em pesquisas com humanos, afirma existirem dificuldades para importação de vários materiais necessários para dar continuidade aos trabalhos.
Entre os itens estão camundongos próprios para análises, tecidos de cultura celular, kits de laboratório e diagnósticos.
Greyce Lousana, presidente-executiva da SBPPC, aponta falta de comunicação entre os órgãos federais de fiscalização. A Anvisa, afirma, exige uma série de documentos, mas quando “chega na ponta”, ou seja, nos portos e aeroportos, a falta de diálogo trava a liberação. “Como se já não bastasse a dificuldade na condução da pesquisa, temos problemas para conseguir insumos para ela”, explica.
Cláudia Vasconcelos, médica do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama, que conta com 60 médicos de 38 hospitais do país, relata ainda dificuldades na exportação de materiais para análise de instituições do exterior.
Ela conta que não conseguiu enviar amostras de tumores mamários para fora do Brasil por conta da burocracia da Anvisa. “O governo não enxerga que não são os cientistas que perdem, mas sim os pacientes e a economia”, critica.
Anvisa alega desconhecer problemas
De acordo com a Anvisa, baseada na resolução 01/2008, que são diretrizes técnico-administrativas para importação de materiais, o prazo para liberação de material para pesquisa no Brasil é atualmente de 24 horas “e tem sido cumprido pela agência”.
“Isto só não é possível quando não há informação correta de identificação do material que o classifique como material de pesquisa”, complementa a agência federal, que afirma desconhecer quaisquer problemas registrados por outros cientistas. “Temos pouquíssimos questionamentos de pesquisadores sobre este assunto”.
A Receita Federal informou que trabalha para diminuir o tempo de espera na importação de produtos voltados à pesquisa científica. De acordo com o órgão, já existem procedimentos simplificados para importações voltadas à ciência.
Além disso, segundo a Receita, o tempo médio para liberação de mercadorias pela alfândega destinadas a cientistas, pesquisadores e entidades ligadas ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) caiu de 7,34 dias, em 2006, para 1,1 dia, em 2013.
Mudança na legislação
Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), disse que no Brasil a pesquisa está “totalmente burocratizada”.
“Qualquer pesquisa tem dificuldade de importação: desde a Receita Federal, passando pela Anvisa. As importações no Brasil [voltadas para ciência], as mais rápidas, levam seis meses. Vários laboratórios de multinacionais estão nos abandonando e indo para outros países. A ciência não caminha na velocidade em que caminham os papeis”, diz a presidente.
Segundo ela, a SBPC articula junto ao Congresso a PEC 290, já aprovada na Comissão Especial da Câmara, que altera e adiciona dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação.
Além disso, está em análise no governo uma proposta de Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que, segundo Helena, promete agilizar a compra de equipamentos e materiais voltados à ciência. “A lei atual é anticiência”, complementa.
Do G1