Casa-grande do Engenho Verde será inundada por barragem em Palmares
Com a construção da barragem Serro Azul, parte da história de rebeldia dos pernambucanos ficará submersa
No próximo ano, a casa-grande do Engenho Verde, em Palmares, município da Mata Sul de Pernambuco, será inundada pela Barragem Serro Azul, que está sendo construída para contenção de enchentes do Rio Una e abastecimento humano. O velho bangalô, representante da economia açucareira da região, não será visto nem mesmo no nível mais baixo do reservatório.
Serro Azul vai cobrir o casarão inteiro, do jeito como se encontra hoje, com suas colunas e platibanda (mureta que camufla o telhado) decoradas, arcos, portas, janelas e piso de ladrilho hidráulico. Mas não é só isso. Junto com as paredes, também ficará submersa uma parte da história de rebeldia dos pernambucanos.
O Engenho Verde foi um ponto de apoio da Revolução Praieira, a última manifestação popular contra a monarquia e os senhores de engenho, ocorrida no Estado, de 1848 a 1850. Pedro Ivo, um dos líderes da insurreição, comandou uma frente de batalha nas matas do engenho, no ano de 1849, diz o historiador Aramis Macedo Júnior.
Chefe do Setor de Arqueologia do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (ITEP), organização social sem fins econômicos, ele pesquisou o assunto para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da barragem.
As terras que serão alagadas do Engenho Verde estão ligadas à luta por liberdade de imprensa e voto universal, pela extinção do poder moderador e pelo fim do monopólio comercial dos portugueses, principais bandeiras defendidas pelos liberais praieiros, no levante contra o governo de dom Pedro II.
De acordo com Aramis Macedo Júnior, as primeiras referências ao engenho, em cartório, remetem a 1792. Era uma propriedade de Miguel Francisco Guimarães e ele havia recebido as terras em sesmaria. Isso não significa que o engenho é uma construção do século 18. “Pode ser mais velho”, pondera.
Até o início do século 20, a área era vinculada ao município de Bonito. Foi incorporada a Palmares numa reformulação municipal. O Engenho Verde também tem raízes culturais. Lá nasceu o romancista Hermilo Borba Filho, em 1917. Uma escrivaninha que ainda decora a sala principal teria pertencido ao dramaturgo, segundo informações repassadas ao Itep.
O bangalô, diz Aramis Macedo, é um tipo simples e comum de estrutura de engenho de cana-de-açúcar: terraço em formato de U, um só pavimento, telhado de quatro águas e platibanda. Passou por reformas ao longo dos anos e mudou de feição. “Houve subtrações e acréscimos”, observa. Fotografias antigas mostram a escada de acesso numa fachada diferente da atual. O porão, fechado com alvenaria, era aberto.
Uma das hipóteses a ser investigada seria o uso do porão como senzala. “Acho inviável por causa da umidade. O escravo era caro e não ficaria numa área insalubre, onde adoeceria com frequência. Pode até ter sido a senzala, mas em algum momento o porão serviu como depósito”, afirma.
Todas as etapas construtivas do engenho serão mapeadas pelo Itep e Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. A pesquisa está sendo iniciada, no casarão e no terreno. Os arqueólogos vão procurar vestígios da fábrica (onde se produzia o açúcar), capela, senzala e povoado, construções que não existem mais.
O estudo das paredes da casa-grande – tijolos e camadas de pintura – servirão para fazer as datações, por termoluminescência e carbono 14. “Vamos tentar identificar o tijolo mais antigo usado na edificação e analisar as camadas de tinta”, diz Aramis.
O resgate histórico e arqueológico inclui, ainda, o uso de um scanner laser, de alta resolução, para mapear as fachadas do bangalô. Pela riqueza de detalhes captados pela máquina, é possível criar uma maquete 3D da casa-grade, sem perder uma informação do imóvel, diz ele.
“Teremos noções de profundidade, luz e sombra com exatidão”. A casa-grande, hoje, é um hotel fazenda, em processo de desapropriação pelo governo do Estado, responsável pela construção da barragem.
Do JC online