Júri de canibais em PE entra na fase de réplica do MP e tréplica da defesa

Promotora Eliane Gaia fala aos jurados após explanação dos advogados.

Trio é julgado por uma das três mortes a que responde, ocorrida em Olinda.

O julgamento dos três acusados de canibalismo em Pernambuco entrou na tarde desta sexta (14) na fase de réplica, que será feita pela promotora Eliane Gaia. A explanação da representante do Ministério Público ocorre após os depoimentos dos advogados de defesa e teve início por volta das 16h. Em seguida, os advogados irão fazer a tréplica. Cada parte terá duas horas para apresentar os argumentos. Somente após os procedimentos, os jurados irão se reunir em uma sala reservada do Fórum de Olinda, no Grande Recife, para dar a decisão. Em caso de condenação, a sentença será lida pela juíza Maria Segunda Gomes de Lima, que preside a sessão.

Jorge Beltrão Negromonte da Silveira, Isabel Cristina Torreão Pires e Bruna Cristina Oliveira da Silva foram levados a júri popular por homicídio quadruplamente qualificado, vilipêndio (violação) e ocultação do cadáver de Jéssica Camila da Silva Pereira, 17 anos. O crime ocorreu em maio de 2008. Em depoimento na sessão na quinta (13), Jorge confessou ter executado a vítima. As mulheres admitiram terem ajudado no ocultamento do cadáver e comido partes do corpo da vítima.

No início da réplica, a promotora Eliane Gaia disse que não sabe “como a defesa tenta converter os acusados em santos: Santa Isabel, Santa Bruna e São Jorge. Bruna e Isabel não têm capacidade de raciocinar, são loucas além de santas. A defesa não falou em momento nenhum dos laudos de Bruna e Isabel, só se reportaram à loucura de Jorge.”

Tereza Joacy, advogada de Jorge Beltrão, fez várias intervenções durante a explanação da promotora (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Tereza Joacy, advogada de Jorge Beltrão, fez várias
intervenções durante a explanação da promotora
(Foto: Katherine Coutinho/G1)

Durante a explanação, a promotora leu o depoimento do irmão de Jorge, alegando que o acusado não tem distúrbios mentais. “O irmão, Irineu, disse que ele [Jorge] não tinha transtorno psíquico. Irineu conviveu, mas se afastou quando ele começou com esse canibalismo, essa seita, que não acredito que só teve três vítimas. Se a família acreditasse na inocência dele, estava aqui. Mas não tem ninguém. Ele envergonhou a família dele. Eu vi os irmãos dele chorando de vergonha”, declarou.

Sobre o pedido de coação feito pela defesa de Isabel, Eliane Gaia argumentou que a acusada era livre. “Isabel não estava encarcerada, não era sequestrada, ele [Jorge] viajava com ela, ela fazia as empadas e as coxinhas dela, vendia, sustentava a casa, tinha a liberdade de ir à padaria, tinha liberdade de ir e vir. Não procurou a delegacia porque não quis”, disse.

A promotora também acusou a defesa de esquecer detalhes de provas que ressaltam a liberdade de Isabel. “Nos autos, consta que teve uma vez em que Jorge se internou, em Conde, na Paraíba, e Isabel tirou ele de lá”, contou.

Durante a réplica, a defensora pública Tereza Joacy, que defende Jorge Beltrão, interviu diversas vezes no discurso do Ministério Público. Após pequenas discussões entre as duas, a promotora disse que que amava a defensora e pediu para que ela permanecesse quieta e falasse apenas na tréplica. A plateia também se manifestou em alguns momentos, e a juíza pediu para que “se mantivesse inerte”.

Jorge, Isabel e Bruna assistem ao embate entre a promotora de acusação e os advogados de defesa (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Jorge, Isabel e Bruna assistem ao embate entre a promotora de acusação e os advogados de defesa (Foto: Katherine Coutinho/G1)

Defesa de Bruna Cristina
Último a falar antes do início da fase de réplica do MPPE, o advogado Rômulo Lyra, que defende Bruna, contou como começou a relação entre os acusados, lendo trechos do livro escrito por Jorge em que Bruna era citada. Na defesa, ele argumentou que Bruna era uma vítima em potencial de Jorge e, por isso, participou do crime.

“O poder de Jorge era tão grande que Bruna acabava fazendo tudo o que ele queria. Se uma vítima em potencial é aquela que não produz, Bruna não trabalhava, se é aquela que não pode ter filhos, ela também não pode ter filhos, então ela era uma vítima em potencial dele”, declarou.

O advogado também explicou que a acusada não fugiu porque Jorge não permitia que ela saísse de casa sem ele. “Podemos perceber que Jorge sempre teve domínio sobre as duas. Ele confirmou que ela nunca saía sem ele. Se Bruna tivesse a liberdade de Isabel, que saía para vender lanches, ela poderia ligar para os pais”, ressaltou.

Defesa de Isabel Cristina
Já o defensor de Isabel Cristina, Paulo Sales, começou seu discurso falando sobre Jorge Beltrão, relendo trecho do livro escrito pelo acusado. “Infelizmente, quando se analisa esse julgamento, se vai pelo código penal, mas não vê o aspecto do agente criminoso, de como se deu esse fato delitivo”, afirma. Paulo pediu ainda a exibição de um vídeo com o depoimento de um dos irmãos de Jorge, em que ele fala sobre o temperamento explosivo do canibal. “Ele diz que a mulher do irmão dele [Jorge] tinha que andar na linha dele, era uma determinação que ele tinha em relação a ela”, aponta, sugerindo a inocência de Isabel.

O advogado acrescentou que Isabel sofre de Síndrome de Estocolmo, estado psicológico em que uma pessoa intimidada passa ter simpatia e até amor pelo agressor. “Justifica uma pessoa abdicar de si, de sua dignidade. Isabel criou um amor, uma idolatria e um medo do Jorge, a ponto de aceitar, sob o próprio teto, ter uma pessoa mais nova dentro da sua casa com seu esposo. Veja a dependência”, argumentou.

A principal tese da defesa de Isabel é o pedido de inocência por coação moral irresistível, que exclui a culpabilidade. “A acusada participou, contribuiu de algum modo para o cometimento do crime, mas ela participou desse crime sob a coação de Jorge, sob o medo. Essa senhora não tinha outra opção”, diz. A segunda tese do advogado Paulo Sales é a coação moral resistível, que possibilita a redução da pena da acusada.

Defesa de Jorge Beltrão
Responsável pela defesa de Jorge Beltrão, a defensora pública Tereza Joacy começou a explanação com a oração de São Francisco, dizendo também que “é mais fácil estar na cruz do que estar sentado aqui hoje”. “Se ele não tem deficiência, de tudo que mostra o processo aqui, mata que é bicho”, apontou Tereza, lembrando o histórico do acusado no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPs) de Garanhus.

A advogada leu trechos com relatos de problemas de desequilíbrio e de remédios tomados pelo acusado, inclusive alguns para tratamento de esquizofrenia. A defensora fez críticas ao depoimento do psiquiatra Lamartine Holanda, que deu o laudo de sanidade dos réus. “O psiquiatra aqui fez apenas um discurso. A mesma que ele faz para um, está para os outros”. A defensora pública lembrou também a questão do riso de Bruna, questionando se não seria uma reação do nervoso, ao invés de ironia como poderia ser interpretado, assim como a apatia de Jorge.

Segundo dia do júri
Jorge Beltrão foi o primeiro dos réus a chegar ao Fórum de Olinda neste segundo dia do júri, por volta das 9h. Às 9h30 chegaram as outras duas rés, Isabel Cristina e Bruna Cristina. Antes do julgamento começar, Bruna mostrou um papel a Jorge. Isabel estava chorosa e parecia bastante nervosa.

Jorge Beltrão Negromonte da Silveira chega ao Fórum de Olinda para o segundo dia do júri (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Jorge Beltrão Negromonte da Silveira chega ao Fórum de Olinda para o segundo dia do júri (Foto: Katherine Coutinho/G1)

Primeiro dia
A sessão teve início na quinta-feira (13), e os três trocaram acusações entre si durante os depoimentos. Eles contaram detalhes macabros da ação e uma das rés, Bruna Cristina, disse que “Jogos Mortais perdia” ao descrever o assassinato de Jéssica. A mulher afirmou que chegou a comer a carne da vítima por causa do ritual.

Entenda o caso
O inquérito relata que Jéssica Pereira era moradora de rua, tinha 17 anos, uma filha de um ano e aceitou viver com os acusados. Eles planejaram ficar com a criança depois de matar a mãe. Em Garanhuns, as vítimas foram Giselly Helena da Silva, 31 anos, e Alexandra Falcão da Silva, 20 anos, mortas, respectivamente, em fevereiro e março de 2012.

Os acusados afirmam fazer parte da seita Cartel, que visa a purificação do mundo e o controle populacional. A ingestão da carne faria parte do processo de purificação. O caso veio a público depois que parentes de Giselly Helena da Silva denunciaram o seu desaparecimento. Os acusados usaram o cartão de crédito da vítima em lojas de Garanhuns e foram rastreados pela polícia.

Uma publicação contendo os detalhes dos crimes – registrada em cartório – foi encontrada na casa dos réus. Para a Polícia Civil de Pernambuco, não há possibilidade de outras mortes terem sido praticadas pelo trio no estado.

Do G1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *