Júri do Carandiru é cancelado após advogado abandonar plenário

Esse seria segundo dia de julgamento de 15 policiais militares.

Massacre em presídio, ocorrido em 1992, deixou 111 mortos.

O julgamento de 15 policiais militares e ex-PMs envolvidos no massacre do Carandiru foi cancelado na tarde desta quarta-feira (18) após o advogado de defesa dos réus, Celso Vendramini, abandonar o plenário do Fórum da Barra Funda. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, uma nova data será marcada para o julgamento.

Esse seria o segundo dia desta terceira fase do julgamento. Outros 48 PMs já foram condenados. Vendramini justificou o abandono do júri e reclamou do comportamento do juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo.

Segundo o defensor, Camargo o chamou de mal-educado no meio do julgamento. “Eu já percebi que estavam havendo muitos erros por parte do magistrado”, disse Vendramini. Ele afirma que entrará com uma representação pedindo a mudança do juiz.

Vendramini disse ainda que o magistrado “estava sendo parcial”, deixando os promotores lerem depoimentos anteriores em vez de fazer perguntas. Ele garantiu que o abandono do júri não foi uma estratégia. “Não tem estratégia”, afirmou. O advogado quer a marcação de um novo julgamento.

Vendramini afirmou também que, além de parcial, o juiz teve postura incorreta em vários momentos, como o fato de fazer uma reunião fechada com duração de 40 minutos com os jurados.

Os promotores disseram que não tiveram nenhum contato com os jurados, assim como os defensores. Eles afirmaram que vão entrar com uma representação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a atitude do advogado. O promotor Eduardo Olavo Canto Neto falou sobre o cancelamento do júri. “Lamentamos profundamente. Foi uma afronta, um desrespeito à lei”, disse.

O promotor afirmou também que a posição adotada por Vendramini foi uma “estratégia infeliz”. “Provavelmente, o advogado teve a sensação de que o caminho seria o mesmo”, disse ele, em referência à condenação dos outros 48 policiais já julgados.

O promotor Márcio Friggi disse que qualquer especulação sobre irregularidade deveria vir acompanhada de prova. Ele elogiou a postura do magistrado. “É um dos juízes com quem trabalhei que teve a postura mais isenta possível”, disse.

Os promotores cobraram uma mudança na lei para que advogados que adotem posturas como a de Vendramini sejam punidos de forma “mais efetiva”.
Até as 16h40, o juiz não havia se pronunciado sobre as alegações do advogado.

Às 17h, o Tribunal de Justiça ainda não sabia a data do novo julgamento. Está marcado para 17 de março o julgamento do grupo de 15 policiais acusados de matar detentos no quinto pavimento do Pavilhão 9 do Carandiru.

Depoimentos
Antes da suspensão do júri, era interrogado o coronel reformado Arivaldo Sérgio Salgado. Segundo ele, as armas utilizadas pelos policiais que entraram no Pavilhão 9 foram recolhidas por ele assim que chegaram ao batalhão e entregues ao armeiro. Posteriormente, as armas foram entregues para a Corregedoria da PM.

Mais cedo, o carcereiro Francisco Carlos Leme afirmou que 75 presos já estavam mortos antes da entrada da Polícia Militar no Pavilhão 9 do presídio do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo.

“Aproximadamente 75. Pode ser mais, pode ser menos”, afirmou.

Outros dois julgamentos relacionados ao Massacre do Carandiru já foram realizados, com condenação de parte dos réus. No primeiro, em 21 abril do ano passado, 23 policiais militares foram condenados pela morte de 13 presos. A pena foi de 156 anos de prisão para cada um, mas eles recorrem em liberdade. Três dos 26 réus que eram julgados foram absolvidos. A sentença foi lida pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão, que presidia o júri.

As absolvições foram pedidas pelo promotor Fernando Pereira da Silva, que também solicitou aos jurados que desconsiderassem duas das 15 vítimas inicialmente previstas no processo.

Segundo ele, esses detentos foram mortos por golpes de arma branca, o que pode significar que foram assassinados pelos próprios presos. Por isso, os 23 PMs foram condenados por 13 mortes.

Segundo júri
No dia 3 de agosto do ano passado, outros 25 policiais e ex-policiais militares foram considerados culpados de homicídio qualificado e responsabilizados por 52 mortes, sendo sentenciados a 624 anos de reclusão em regime inicialmente fechado. A sentença foi lida pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo.

“Houve inequívoco abuso de poder”, disse o juiz em sua sentença. Os réus, porém, puderam recorrer da sentença em liberdade. Os policiais também perderam o cargo público ainda em exercício, mas essa decisão só vai valer depois de julgados todos os recursos.

À época do massacre na Casa de Detenção, na Zona Norte da capital, os réus integravam as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da Polícia Militar. Lá dentro, eles teriam efetuado mais de 300 disparos no segundo andar, terceiro pavimento, do Pavilhão 9.

O júri havia sido determinado com 29 réus. Dois deles, no entanto, morreram, um passou por avaliação de sanidade mental e outro respondeu a processo separadamente. Os policiais respondiam inicialmente por 73 mortes. Durante o julgamento, porém, o promotor Fernando Pereira pediu que os réus respondessem por 52 mortes.

Massacre
Os julgamentos do massacre no Carandiru ocorrem mais de 20 anos após a invasão na Casa de Detenção, na Zona Norte de São Paulo. A ação terminou com a morte de 111 presos após a Polícia Militar entrar no Pavilhão 9 para controlar uma rebelião.

Antes destes júris, desde 2 de outubro de 1992, somente um acusado havia sido julgado: o coronel Ubiratan Guimarães. Ele foi condenado em 2001 a 632 anos de prisão, em júri popular, por ter dirigido a operação. Em 2006, o júri foi anulado pelos desembargadores do TJ.

Meses depois da absolvição, Ubiratan foi morto a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins. O processo do Carandiru tem ao todo 57 volumes, 111 apensos e 50 mil páginas.

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