MP de SP descobre como fiscais cobravam propina em fraude no ISS

Órgão encontrou lista com ex-fiscal que liga 410 empreendimentos à fraude.

Apenas entre 2010 e 2011, grupo causou prejuízo de R$ 59 milhões.

O Ministério Público de São Paulo descobriu como auditores suspeitos de fraude distribuíam a propina cobrada de empreendimentos na capital em troca de descontos no Imposto sobre Serviços (ISS) durante a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). Os detalhes sobre como funcionava a contabilidade do grupo estão especificados em uma planilha encontrada com o ex-fiscal Luiz Alexandre Magalhães.

Em um dos casos, um empreendimento que devia R$ 766.448,24 de ISS recebeu um desconto ilegal de 50% dos auditores, fazendo com que a dívida da empresa caísse para R$ 383.224,12 – valor pago à quadrilha. (Veja acima reportagem do Jornal da Globo).

A guia emitida pelos fiscais, no entanto, foi no valor de R$ 13.224,12. Ou seja, menos de 2% do dinheiro devido foi repassado à Prefeitura de São Paulo. A quadrilha pagou ainda R$ 37 mil pelo serviço de um despachante. Já o saldo de R$ 333 mil foi dividido entre quatro fiscais, que receberam R$ 83.250 cada só desse empreendimento.

Na última quinta-feira (5), o promotor Roberto Bodini já havia informado sobre a existência dessa planilha, em que havia detalhes da contabilidade do grupo.

O documento traz dados entre 11 junho de 2010 e 26 outubro de 2011. Nele, constam nomes de 410 empreendimentos ligados ao pagamento de propina. A lista de empresas suspeitas de terem pago propina incluem construtoras, shoppings, fundações e até um hospital. O promotor disse que vai estabelecer com a Polícia Civil a melhor estratégia para chamar as empresas a depor.
Segundo o promotor, deveriam ser recolhidos, entre junho de 2010 e outubro de 2011, R$ 61,3 milhões, mas foram recolhidos apenas R$ 2,5 milhões. O prejuízo para a cidade foi de R$ 59 milhões e os auditores ficaram com R$ 29 milhões. “Com a apreensão deste documento fomos jogados lá na frente”, disse o promotor que investiga o caso.

A lista foi apreendida em poder do auditor Luiz Alexandre. Segundo o promotor, Alexandre não se recorda de detalhes, mas o documento fala por si. Bodini afirma que a planilha tem o valor que deveria ser recolhido, o valor efetivamente recolhido, o desconto de 50%, e o pagamento da parte do despachante, quando havia. Também mostrava a data do efetivo recebimento da propina.

Segundo o Corregedor-Geral do município, a planilha guarda proporção com a estimativa inicial de que a quadrilha desviou entre R$ 200 milhões e R$ 500 milhões. Também mostra que a quadrilha cobrava de pequenos empreendimentos. Há casos em que ao ISS a recolher era de R$ 600 e o empreendedor pagou propina de R$ 300.

Investigação
Os promotores que investigam a atuação de fiscais da Prefeitura de São Paulo suspeitos de fraudar a cobrança do afirmam que há indícios de que a quadrilha agia pelo menos desde 2005, ainda na gestão José Serra (PSDB). Antes, a Promotoria tinha informações da atuação apenas entre 2007 e 2012, quando o prefeito era Gilberto Kassab (PSD).

Segundo o promotor do Patrimônio Público César Dário Mariano da Silva, um novo depoimento prestado no dia 25 de novembro por um dos fiscais investigados indicou que Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado pelos servidores ouvidos como chefe do bando, já repartia o dinheiro de propina entre os fiscais desde 2005.

“O Eduardo [Barcellos] falou que nessa época ele ainda não sabia dessas mutretas. Ficou sabendo e levou ao conhecimento de Ronilson, que nada fez. Depois, ele ficou sabendo que àquela época Ronilson já até pegava dinheiro, repartia dinheiro, já recebia propina desde aquela época, de 2005”, disse. “A coisa é mais antiga do que a gente pensava”, afirmou o promotor.

Entenda como funcionava a fraude
Segundo a investigação, o grupo fraudava o recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS). Ele é calculado sobre o custo total da obra e é condição para que o empreendedor imobiliário obtenha o “Habite-se”. O foco do desvio na arrecadação de tributos eram prédios residenciais e comerciais de alto padrão, com custo de construção superior a R$ 50 milhões. Toda a operação, segundo o MP, era comandada por servidores ligados à subsecretaria da Receita, da Secretaria de Finanças. O grupo pode ter desviado cerca de R$ 500 milhões da Prefeitura.

Foram detidos na quarta-feira (30) o ex-subsecretário da Receita Municipal Ronlison Bezerra Rodrigues (exonerado do cargo em 19 de dezembro de 2012), Eduardo Horle Barcellos, ex-diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança (exonerado em 21 de janeiro de 2013), Carlos Di Lallo Leite do Amaral, ex-diretor da Divisão de Cadastro de Imóveis (exonerado em 05 de fevereiro de 2013) e o agente de fiscalização Luis Alexandre Cardoso Magalhães. Todos foram liberados pela Justiça e respondem em liberdade.

Além dos quatro, Fábio Camargo Remesso e o auditor fiscal Amilcar José Cançado Lemos são citados. Apesar da suspeita de envolvimento, nenhum dos dois foi detido. Remesso foi exonerado no início deste mês. Ele era assessor da Coordenação de Articulação Política e Social, da Secretaria Municipal de Relações Governamentais. Já Lemos foi afastado.
Além do processo criminal, todos investigados serão alvos de processo administrativo disciplinar. Uma comissão processante avalia se devem ser demitidos.

A Justiça determinou o bloqueio dos bens dos quatro suspeitos detidos inicialmente. Já foram localizados uma pousada de luxo em Visconde de Mauá, apartamento de alto padrão em Juiz de Fora (MG), barcos, automóveis de luxo. Há ainda indícios de contas ilegais em Nova York e Miami, além de imóveis em Londres.
Aumento da arrecadação
A Prefeitura de São Paulo estima arrecadar em 2013 42,85% mais recursos do Imposto Sobre Serviços (ISS) necessário para a obtenção do Habite-se e a liberação de construções. Serão no total R$ 100 milhões arrecadados com o ISS no ao em que a prefeitura e o Ministério Público de São Paulo iniciaram uma operação contra funcionários suspeitos de fraudar a cobrança do imposto que deveria ter sido pago por construtoras.

A operação foi deflagrada em 30 de outubro, e os fiscais investigados foram afastados em seguida.

A Secretaria de Finanças atribui o crescimento a mudanças na arrecadação do imposto. Uma norma publicada em maio instituiu a obrigatoriedade de registro das deduções feitas, registro das notas fiscais, numeração, valores e auditor responsável. Foi criada também uma lista de serviços que poderiam ser aceitos para a dedução da base de cálculo do ISS de forma a reduzir a subjetividade da analise.

A norma fez cair o número de processos abertos, segundo a secretaria. Atualmente estão em andamento 1.058 processos para emissão de certificados de quitação do ISS, um número inferior em relação ao mesmo período do ano passado, quando havia 5.076 processos abertos. O tempo médio de tramitação destes processos também caiu, de 520 para 164 dias.

A Secretaria de Finanças está desenvolvendo um novo sistema para a emissão do certificado de quitação do ISS para o Habite-se. O sistema, que automatiza todo o processo de emissão do certificado, entrará no ar até o fim do ano.

Do G1

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