Prova de seleção para diplomata revolta candidatos

Tradicionalmente um dos mais difíceis do país, concurso está especialmente concorrido; participantes dizem que prova se tornou excessivamente ‘subjetiva’.

Em que ano a Indonésia e o Suriname se tornaram independentes? O que dizia a Lei Agamenon Magalhães, de 1945, que tratou do registro de partidos políticos no país? Quais os critérios para a classificação de exportações brasileiras por fator agregado?
Para que acertassem três questões da seleção em curso para a carreira diplomática, os candidatos deveriam saber responder as perguntas acima. Os critérios para a formulação da prova revoltaram postulantes ao cargo e trouxeram à tona um debate sobre a seleção de diplomatas no Brasil.

Tradicionalmente um dos mais difíceis do país, o concurso para o Instituto Rio Branco – que forma os diplomatas brasileiros – está especialmente concorrido neste ano.

Cerca de 4 mil inscritos disputam apenas 18 vagas, com salário inicial de R$ 14.290,72. A seleção, que teve a primeira etapa no início de abril, entrou na segunda fase neste sábado e se encerra em 17 de maio.

Candidatos descontentes com os atuais critérios de seleção criaram no Facebook o grupo ‘Por um CACD (Concurso de Admissão à Carreira Diplomática) mais objetivo’. Na sexta, o grupo contava 199 membros.

Eles querem que os formuladores da prova comentem os gabaritos e que as questões sejam elaboradas a partir de uma bibliografia, para evitar interpretações divergentes sobre os temas cobrados. Defendem ainda que, se os candidatos tiverem negados pedidos de revisão da prova, os examinadores justifiquem suas decisões.

Uma candidata que concorria ao exame pelo quarto ano seguido e não se classificou para a segunda fase diz ter desistido da carreira porque ‘a prova se tornou muito subjetiva’.

Ela afirma ainda que boa parte dos conteúdos cobrados nos últimos concursos dificilmente será aplicada na carreira. A candidata cita a prova de inglês em 2013, em que se exigia a tradução do inglês para o português de um texto que mencionava diversos tipos de sons emitidos por pássaros.

O candidato deveria saber as palavras em português correspondentes aos termos ‘cackle’, ‘croak’, ‘whistle’ e ‘squawk’ – segundo o dicionário Michaelis, as traduções mais próximas são, respectivamente, ‘cacarejar’, ‘coaxar’, ‘assobiar’ e ‘grasnar’.

Também pesaram – em sua decisão de desistir – os gastos que teria com mais um ano de preparação. Hoje, por causa da dificuldade da prova, grande parte dos aprovados no Instituto Rio Branco recorre a cursos preparatórios para o exame.

O curso mais popular, o Clio, cobra cerca de R$ 30 mil por cinco meses de aulas para todas as disciplinas exigidas no exame. A prova requer conhecimentos de geografia, história, português, política internacional, direito, economia, inglês, espanhol e francês.

Alguns candidatos concorrem ao exame quatro ou cinco vezes até serem aprovados. A maioria, porém, desiste de tentar a vaga após alguma reprovação.

O Ministério de Relações Exteriores disse que o rigor da seleção se deve ao grande número de candidatos. Segundo a pasta, outros concursos públicos para carreiras concorridas têm grau de dificuldade equivalente.

O ministério afirmou que a elaboração das provas é responsabilidade do Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), da Universidade de Brasília (UnB).

Em nota, o Cespe afirmou que a prova ‘é estabelecida com base na complexidade e nas características do cargo público para o qual a seleção está destinada’.

‘A explicitação da referida estrutura é feita no edital de abertura do certame, ao qual o candidato adere ao efetuar a sua inscrição. O Cespe/UnB esclarece, ainda, que os editais de abertura de todos os concursos, que contêm as regras que regem os certames, são definidos em comum acordo entre as instituições contratante e contratada.’

Menos vagas
Nos últimos anos, outro fator tem desencorajado aspirantes a diplomata. Após contratar cem diplomatas ao ano entre 2006 e 2010, em movimento concomitante à abertura de embaixadas brasileiras no exterior, o Itamaraty vem reduzindo o número de admissões anuais.

O número de postos oferecidos neste ano, 18, é o menor desde que o Instituto Rio Branco passou a registrá-los, em 1996, quando 30 diplomatas foram contratados.

O Itamaraty disse à BBC Brasil que o número de vagas obedece a decisão do Ministério do Planejamento e reflete os esforços de contenção de gastos em todo o governo.

Porém, para Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, as vagas ofertadas neste ano são insuficientes para atender às necessidades da política externa brasileira.

‘O número, que é historicamente baixo, mostra que o governo atual não tem um compromisso muito sério com o projeto da política externa e não se importa muito com questões globais’, ele diz à BBC Brasil.

Corpos diplomáticos
Segundo Stuenkel, mesmo com a expansão de postos nos anos Lula, o Brasil segue com um dos menores corpos diplomáticos entre todos os países emergentes.

‘A decisão de não continuar com a expansão tem consequências importantes, porque o Brasil não terá capacidade de analisar a situação em vários países e dependerá de análises de outros países, feitas conforme interesses diferentes dos seus’.

Stuenkel elogia, contudo, o caráter meritocrático da seleção de diplomatas. Segundo ele, ‘o Itamaraty é o único ministério do governo brasileiro que um novo presidente não consegue encher com seus aliados’.

A imunidade do órgão a apadrinhamentos e indicações políticas, diz ele, fez com que os diplomatas ganhassem boa reputação no país.

Por outro lado, afirma Stuenkel, num país desigual como o Brasil, a meritocracia acaba por privilegiar ‘um grupo bastante elitizado’.

‘O Itamaraty já mudou bastante, já tem uma composição étnica diferente, diplomatas de origem mais humilde. Mas, como todas as instituições de elite no Brasil, ainda não conseguiu refletir a diversidade da sociedade brasileira’.

O Itamaraty diz que tem se esforçado para ampliar a diversidade étnica e social dos seus quadros. Por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão citou seu programa de ação afirmativa, iniciado em 2002.

O programa concede bolsas para que candidatos negros se preparem para o concurso para o Instituto Rio Branco. Uma reportagem da BBC Brasil em 2012 revelou, porém, que apenas 2,6% dos candidatos aprovados desde o início do programa eram negros que se beneficiaram das bolsas.

O professor Oliver Stuenkel questiona, ainda, o grande peso que se dá ao conhecimento acadêmico na seleção e formação de diplomatas no país.

Segundo ele, o trabalho do diplomata brasileiro se distancia cada vez mais da ‘diplomacia clássica’ e se aproxima de áreas técnicas do governo, como agricultura e educação.

‘Isso requer pessoas com interesses diversificados e que idealmente tenham experiência de trabalho, e não só jovens academicamente brilhantes’.

Já para o diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, o concurso para diplomatas já atrai candidatos com formações e competências variadas.

‘Há muita gente brilhante e que se destacou nas várias áreas de que o Itamaraty cuida, como comércio, meio ambiente e direitos humanos.’

Ele defende que a formação de diplomatas continue privilegiando uma ‘abordagem de cultura humanística geral’.
‘Embora tenda a exigir uma especialização, a diplomacia é em grande parte uma atividade política, que exige uma personalidade dotada de cultura ampla para compreender outros povos e mentalidades’.

Quanto à diminuição de vagas nos últimos concursos, Ricupero diz se tratar de processo natural após o forte crescimento do ministério na gestão do então chanceler Celso Amorim (2003-2011).

‘O Brasil já tem uma das maiores redes (diplomáticas) do mundo, não dá para continuar expandindo muito mais’.

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