Ralo de R$50 pode evitar acidentes fatais em piscinas
Afogamento é a segunda causa de morte de 1 a 9 anos de idade no Brasil. Veja medidas simples que podem evitar acidentes em piscinas.
“Esta noite eu dormi no quartinho dela. “É uma forma de eu ainda sentir ela aqui. Porque parece que ela tá brincando ali embaixo e daqui a pouco está aqui”, diz Iêda Oliveira, mãe de Mariana.
O conforto de ilusão logo se desfaz.
“Onde você vai imaginar que você vai enterrar sua filha de 8 anos”, indaga Iêda Oliveira.
Os pais e a irmã enterraram Mariana há oito dias. A menina morreu fazendo o que mais gostava. “A Mariana é uma menina aquática. Ela adora água”, lembra Marco Aurélio Oliveira, pai de Mariana.
Mariana vivia na água. Mas nem toda a habilidade teria ajudado. Os cabelos dela foram sugados pelo ralo onde era puxada a água para o tobogã na piscina. Foi clube que a família frequentava há décadas, em Belo Horizonte.
Mariana estava com os tios e primos. Os pais ouviram de testemunhas que o salva-vidas estava longe e demorou para chegar. “Quando perguntaram para o salva-vidas onde que desliga a bomba, ele falou: eu não sei onde que desliga a bomba”, conta a mãe.
Desligada a bomba, a sucção pararia. Ninguém sabia o que fazer. “Não tinha uma tesoura, não tinha uma faca. Não tinha nada. Soube que alguém foi quebrar uma garrafa pra corta com caco de vidro. E não conseguiram. E nisso a Mariana debaixo da água”, conta.
A força da sucção foi tão grande que mesmo muitos adultos puxando não conseguiram liberar Mariana do tubo. “Uma coisa pra mim é clara: a minha filha não morreu. Ela foi sugada por uma bomba que promoveu a morte dela”, diz o pai.
No mesmo sábado, dia 4, morreu Kauã dos Santos, de 7 anos em Brasília, depois de ficar 3 dias em coma. Ele se afogou ao ficar dez minutos submerso, com o braço preso no buraco de sucção da piscina de um condomínio em Caldas Novas, Goiás, onde a família estava hospedada.
Na segunda-feira, mais uma vida sugada pelo ralo. Naysla Sestari, de 11 anos, também ficou com os cabelos presos. Foi na piscina da casa dela, em Linhares, Espírito Santo.
Em um apartamento em São Paulo, as notícias revivem a dor de Odéle.
“16 anos minha filha sofreu um acidente idêntico ao que aconteceu nos primeiros dias de janeiro, onde crianças foram a óbito, morreram. E de 16 anos pra cá nada foi feito pra melhorar a segurança nas piscinas”, afirma Odele Souza, mãe de Flávia.
Odele tem em casa a lembrança permanente do que aconteceu com Flávia. Presa pelos cabelos ao fundo, a menina teve lesão cerebral. Entrou em coma. Tinha 10 anos. E se tornou uma adulta sem nunca recuperar a consciência.
“16 anos depois tem dias que eu acordo e falo assim, que bom se tivesse sido só um pesadelo. Eu me levanto, caminho, dou alguns passos e ela tá no quarto dela, ela tá lá inerte. É uma rasteira que a vida nos dá”, lamenta Odele.
Uma rasteira que ela enfrenta lutando. Tem um blog, no qual escreve como se fosse um diário de Flávia. Um ponto de encontro que mobiliza outras famílias dispostas a impedir que tudo se repita.
“Não tem sentido uma criança de 10 anos passar o resto da vida vivendo em coma. E a forma que eu encontro pra dar um sentido a isso ao que aconteceu com a Flávia é evitar que outras crianças venham a ter o destino dela”, desabafa a mãe.
Odele faz parte de uma comissão que tenta tornar lei as recomendações de segurança da ABNT, a Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Mas sete projetos estão parados há anos no Congresso Nacional. O relator culpa o excesso de medidas provisórias e até as eleições pelo atraso. E promete aprovar as propostas – logo depois do verão. “Votar fim de fevereiro na comissão de seguridade e em março, já conversei com o presidente, a gente vota fim do mês”,garante o deputado Darcísio Perondi.
Fantástico – A gente pode voltar a falar em março com essa lei aprovada?
Darcísio Perondi – Com certeza. Eu ia concluir dizendo: me cobra na segunda quinzena de março.
Uma das mudanças propostas para a nova lei é a obrigatoriedade de ralos anti-aprisionamento de cabelos.
Você vê uma simulação do que aconteceria com uma criança, nesse caso com os cabelos compridos, se mergulhasse próximo a um ralo sem a sua devida tampa. “Pode ver que o cabelo é todo sugado. E a criança provavelmente ficaria presa e se afogaria na piscina”, explica Augusto César Araújo, vice-presidente da Associação dos Fabricantes de Piscina. Veja no vídeo.
Em seguida, outra simulação com o mesmo ralo, só que com uma tampa mais moderna.
A bomba dos dois ralos é a mesma. A única diferença entre elas é a tampa anti-sucção.
“A sucção da bomba, como ela tá dividida numa tampa mais moderna, numa tampa com área maior, o cabelo não fica preso. Ele desliza pela tampa, mas não tem força pra ser sugado, ele não consegue entrar pelos furos”, explica.
E quanto custa um ralo destes? “Uma tampa nova dessa aqui ao custo de R$ 50 você evita qualquer tipo de acidente na sua piscina”, completa Augusto.
Outra medida simples: sempre que a piscina estiver sendo usada, deixe as bombas desligadas.
As crianças devem ser orientadas a não se aproximar dos ralos. E mesmo que as que sabem nadar, precisam da supervisão de um adulto.
O médico especialista em afogamento recomenda que todo adulto aprenda a fazer respiração boca a boca e massagem cardíaca. O tempo de esperar a ambulância pode ser grande demais.
Veja o que fazer em caso de afogamento.
“Afogamento é a segunda causa de morte de 1 a 9 anos de idade no Brasil. Só pneumonia mata mais as crianças do que afogamento. A gente tem que tomar uma atitude. A gente não pode ficar parado.
Antônio não ficou. Equipou sua academia, no Rio. Cercas de proteção isolam as piscinas. Travas de segurança nos portões evitam que um minuto de distração leve uma criança a se afogar.
Antônio antecipou aqui outras coisas da proposta de lei.Se você tem piscina ou frequenta uma, deve saber:
– Um botão de pânico deve ser instalado perto da piscina, pra ser acionado quando houver algum problema ou o ralo estiver puxando demais. Ele desliga a bomba.
– O ideal é instalar mais de um ralo na piscina. Assim, a pressão se divide entre eles.
– Os ralos devem estar, no mínimo, um metro e meio um do outro, para que uma criança não possa obstruir os dois ao mesmo tempo. Se um ralo estiver obstruído, o outro continua puxando água e não forma a pressão que prende pés e braços.
Fantástico – Como você se envolveu na questão de segurança de piscinas?
Antônio – Infelizmente há três anos atrás tive uma filha que morreu num acidente presa pelos cabelos numa piscina residencial.
Luiza morreu numa festa de aniversário na casa de uma amiguinha. Tinha 10 anos.
“A tragédia não vai embora nunca. A marca vai ficar pra sempre. “Agora você tem duas opções. Você pode ficar agarrado no drama, na tragédia, e pode fazer alguma outra coisa. E eu acho que optei por fazer outra coisa”, conta Antônio Santos, dono de academia.
Se dedicar à vida das nossas crianças é o tributo dos pais às suas crianças que se foram.
“Ela era um anjo, foi direto pro céu. Ela agora tá olhando e dizendo o seguinte: e aí, gente, vai continuar do jeito que tá? Vai esperar morrer mais quantos, Brasil afora?”, diz o pai de Mariana.
“Eu ainda vou deitar nessa cama, ainda vou chorar muito. Já abracei todos os bonequinhos dela. Eu vou do luto à luta”, Iêda Oliveira, mãe de Mariana.
Do Fantástico