Sé registra maior taxa de homicídios de SP, aponta levantamento
Índice do distrito é de 60,4 casos por 100 mil pessoas em 2013.
Especialistas dizem que megapopulação flutuante faz taxa ser elevada.
Crimes passionais ou motivados por vingança, disputas por droga e acertos entre traficantes e moradores de rua. Esses são alguns dos motivos apontados por policiais ouvidos pelo G1 para os homicídios registrados na Sé, Centro de São Paulo. O distrito registra a maior taxa a cada 100 mil habitantes entre os 93 distritos da cidade. Para especialistas em segurança, a megapopulação flutuante durante o dia é a responsável por fazer a região figurar na primeira posição, já que o índice de crimes é calculado sobre a população residente apenas.
A Sé teve um índice de 60,4 casos de homicídio a cada 100 mil habitantes. O dado, referente a 2013, faz parte de um levantamento do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP obtido pelo G1. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), locais com índices iguais ou superiores a este número são considerados zonas endêmicas de violência
O próprio governo de São Paulo adota esse critério para nortear e elaborar suas políticas públicas de segurança pública.
Delegados, investigadores e escrivães ouvidos pelo G1 dizem que, por se tratar de um crime imprevisível, o homicídio doloso é difícil de ser evitado. Como o próprio nome diz, a intenção de quem o comete é simplesmente matar.
Na Sé, foram registrados no ano passado 20 casos de homicídios dolosos. A taxa é feita a partir da comparação com a população residente no bairro (33,1 mil). Isso significa que há outras regiões, mais populosas, com um maior número de casos. Em números absolutos, o distrito do Parque Santo Antônio, na Zona Sul, é o que detém o maior número de homicídios da capital: 54. A taxa, no entanto, fica em 19,6.
Segundo especialistas consultados pelo G1, por causa do modo como o cálculo é feito, a população flutuante das regiões não é considerada. “A população flutuante na Sé é muito grande, mais de 2 milhões de pessoas vão para lá todos os dias. Mas a população residente é pequena. Assim, a taxa é muito maior do que se fosse considerada a quantidade de pessoas que circulam na área”, diz Guaracy Mingardi, analista criminal e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança.
Há ainda falta de equipamentos públicos na região, bem como problemas de habitação, fatores que afetam o índice de criminalidade, de acordo com Marcelo Batista Nery, sociólogo e pesquisador do NEV.
O G1 teve acesso aos boletins de ocorrência de 16 dos 20 casos de homicídios registrados em 2013 na Sé. Das 16 vítimas, apenas duas são mulheres. A maioria das mortes ocorreu por arma de fogo (sete). Houve seis esfaqueamentos, um enforcamento e uma morte por tiro e enforcamento. Em um dos casos, não foi informada a causa da morte.
A maior parte dos casos (sete) ocorreu entre 18h e 0h. Outros cinco foram na madrugada e três, durante a tarde. Apenas um homicídio foi no período da manhã. Quanto ao local, o único recorrente foi o Rio Tamanduateí, que margeia a Avenida do Estado. Três corpos foram resgatados na água.
Somente em um dos boletins consta a informação de que os suspeitos de serem os autores foram presos. Como a autoria dos outros crimes foi dada como desconhecida, eles foram encaminhados posteriormente para o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).
Crimes
Dois casos da Sé foram amplamente divulgados. Em 19 de janeiro de 2013, Ariel Charles Rodrigues de França, o “Rolinha”, matou a tiros a ex-mulher Liliane de Assis Lopes. O crime, que ocorreu quando ela caminhava na calçada da Avenida Senador Queiroz.
Imagens de câmeras de segurança mostram que ela tentou se proteger do ex atrás de um homem, que não foi ferido, mas acabou atingida. Liliane chegou a ser socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
Cinco dias após matar Liliane, Ariel se apresentou no 1º DP, onde foi indiciado por homicídio. Ainda de acordo com a polícia, ele disse que matou a ex-companheira por ciúmes e por ela cobrar a pensão alimentícia da filha deles.
Como o prazo da prisão em flagrante expirou, ele foi liberado para responder ao crime em liberdade. Logo após ser solto, a polícia pediu a prisão preventiva de Ariel à Justiça, que determinou que ele fosse preso. Ariel, no entanto, já havia fugido e passou a ser considerado foragido.
No Facebook, parentes e amigos da vítima se reuniram para cobrar a prisão e condenação de Ariel pelo assassinato. Em uma página da rede social, eles colocaram a foto do procurado com a inscrição “foragido”.
Outro caso
Na noite de 18 de outubro do ano passado, o sindicalista Carlos Alberto dos Reis, o “Carlão”, de 50 anos, entrou para as estatísticas de vítimas de homicídios dolosos no 1º DP. Ele era presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e havia acabado de deixar o local, na Liberdade, para pegar o carro do sindicato e voltar para casa, quando foi morto a tiros. Ele foi encontrado pela Polícia Militar com sete tiros, no banco do motorista de um Polo Sedan prata, na travessa Rugero, esquina com a Rua Doutor Lund.
De acordo com os policiais, testemunhas que ouviram os disparos não viram quem matou o sindicalista. A polícia ainda busca imagens de câmeras de segurança para saber se elas gravaram o crime. Como nenhum pertence foi levado, o crime é tratado como homicídio.
Carlos era casado e tinha uma filha. Ele estava no cargo havia três anos. “Quando aconteceu isso, todos ficamos surpresos”, afirma Celso Luis de Souza, que assumiu a presidência do sindicato com a morte do colega. “Até agora não sabemos quem possa ter matado o Carlão. Isso, de investigar, é trabalho da polícia.”
Homicídios na região
Segundo o NEV, a taxa de homicídios na Sé caiu desde 1993, quando era de 74 casos por 100 mil habitantes. Ela já chegou a 152,7 em 2000 e a 25,8 em 2008. Os números oscilaram e cresceram nos últimos anos.
Comparando com 1993, o número de homicídios na Sé caiu 45,9%. O esvaziamento urbano da região, porém, impediu que a taxa caísse drasticamente, pois a população residente passou de 50 mil para 33,1 mil – uma queda de 33,8% no período.
Investimentos
A Secretaria da Segurança diz que faz investimentos para baixar os índices em toda a cidade. Em nota, o órgão cita a ampliação dos quadros da Polícia Civil, “com a maior contratação da história da instituição – mais 3.418 policiais para o Estado”. “A Polícia Técnico-Científica, cujas perícias são fundamentais nas investigações policiais, terá um aumento de 64% nos cargos, com a criação e contratação 1.853 novos funcionários”, informa.
A secretaria diz que “o combate aos homicídios envolve outras ações, como o controle da entrada de armas no país”. “Neste ano, de janeiro a março, as polícias paulistas aprenderam 4.671 armas ilegais – um aumento de 3,10% em relação ao mesmo período do ano passado. É preciso, paralelamente, investimentos em ações sociais e educacionais para prevenir a violência.”
A SSP ressalta que, apesar de distritos como a Sé registrarem altas taxas e merecerem atenção, a cidade como um todo tem um índice de 10,08, bem próximo ao preconizado pela OMS como tolerável.