“Sina” de professor leva sonho, a partir do esporte, para garotada de Solidão
Tony Xavier, de 27 anos, retorna à cidade após se formar para mostrar, na pequena cidade do Sertão, que caminhos da prática esportiva dão outra dinâmica à vida
Do GE – PE
Acompanhe abaixo a reportagem do Globo Esporte na íntegra:
Imagine morar em uma cidade muito, muito pequena. Com pouco mais de 500 casas. Afastada de tudo. Na mais completa solitude, qual o tamanho da força para mudar a vida de alguém? Em Solidão – cidade a pouco mais de 400 quilômetros do Recife, no Sertão pernambucano -, um “sujeito” corajoso, apenas ele, modificou a rotina. Fez brotar sonhos em dezenas de jovens, tendo como instrumento o esporte.
Tony Xavier, de 27 anos, é o único professor de educação física da única escola pública do município. E o responsável para dar outros contornos a história de monte de gente e colocar Solidão no mapa esportivo do Estado.
Se trabalhar no absoluto afastamento parecia uma sina, os ideais transformaram a vida dos estudantes do lugar. Pela primeira vez, as crianças souberam o que é badminton e o xadrez.
Tão distantes de tudo, puderam, por meio do esporte, ter experiências pequenas – para eles gigantes -, como conhecer o mar ou andar de elevador.
A cidade de Solidão é pequenina. Daquelas típicas de interior mais afastado, com igreja e praça como referências. As agências bancárias são contadas nos dedos de uma só mão.
Tony Xavier resolveu abrir os horizontes e as possibilidades. De lá, ao se formar em educação física, retornou com a missão de apresentar às crianças à prática do esporte.
Em cinco anos, foram 40 títulos nos mais diversos esportes, nos jogos escolares da Região do Pajeú, que compreende 110 escolas de 17 municípios.
As prateleiras se multiplicaram para os troféus repousarem. Prova do sucesso de qualquer atleta. Na entrada da escola, é o maior motivo de orgulho. – Era meu principal objetivo. Não tem dinheiro que pague. Ver meus alunos conquistando títulos, praticando o esporte com todas as dificuldades de estrutura que nós temos e acumulando pequenas conquistas na vida… – disse Tony.
As dificuldades são incontáveis. A estrutura da escola não comporta abrigo a tantas modalidades. Para o basquete, a tabela é de brinquedo, fixada no topo de escadaria. Mais embaixo, um banco é a proteção da encanação. Uma maneira de a bola cheia e muito pesada não estourá-lo, sob pena de a escola ficar sem água.
Ao lado, um espaço pequeno. Nele, foi improvisada uma quadra, com árvore e tudo quase no meio. No pátio, as linhas foram pintadas de maneira improvisada. É lá que se pratica o badminton. Com uma rede amarrada de qualquer jeito, o jogo rola solto. Vez por outra, a peteca cai no telhado ou na própria árvore. O treino para. Chega a hora de se pendurar, em um ou na outra, para recuperar o chumaço de penas usado como “bola”.
– As dificuldades são muitas. Qualquer um pode ver que as coisas aqui não são fáceis. Tenho um dia para dedicar a cada esporte. Um dia, auxilio quem está no xadrez. No outro, no badminton. Depois, no basquete.
O judô também. E assim vai. Mas, por causa do calendário apertado, também peço para quem pratica outros esportes treinarem todo dia. Não é porque não estou presente que eles não podem treinar, não é? E assim a gente vai levando – disse Tony.
A única sala destinada às atividades esportivas abriga duas modalidades: tão logo se encerra o treino de tênis de mesa, os alunos desmontam a mesa e arrumam o tatame. O judô pede passagem.
No tênis de mesa foi gerado um dos melhores resultados da escola. Expressividade extra na vida do pequeno Caio Rodrigues, de 14 anos. Classificou-se para os jogos estaduais do ano passado, disputados no Recife.
– Viajei, foi muito legal. Conheci o mar, que nunca tinha visto. Acho que se não fosse o esporte, o tênis de mesa, nunca teria saído de Solidão – apontou Caio.
Não bastasse os esportes implantados por Tony, existe um campo de terra do lado de fora usado para mais práticas. Sem o material necessário, o handebol é praticado.
O campinho conta a história de Bruno Goes, de 16 anos. Ele é craque no arremesso de peso. O peso em questão era uma pedra de seis quilos. Virava-se como dava. Foi assim que Bruno treinou durante mais de um ano. Só em 2015 foi que uma bola de ferro, a oficial, com os mesmo seis quilos, foi comprada pela escola. – Tony me chamou porque disse que eu era forte, com um físico bom para praticar o arremesso de peso. Comecei com uma pedra e agora, finalmente, temos a bola.
A intenção é melhorar cada dia mais e me dedicar mesmo ao esporte. Antes, não tinha perspectiva de fazer nenhum esporte. Agora minha vida mudou.