Zelador do MuBE, eletricista baiano faz sucesso no mercado de arte de SP
Wilton Rodrigues mora no Museu Brasileiro da Escultura há 16 anos.
Montador cobiçado, ele diz que é assediado por diversos artistas do país.
Há 20 anos, Wilton Silva Rodrigues é responsável pela montagem e iluminação de todas as exposições que ocorrem no Museu Brasileiro da Escultura, o MuBE, na Zona Sul de São Paulo. Graduado no assunto, ele garante que seu trabalho é o arremate final. “Saber iluminar as obras expostas valoriza o artista. Fica bonito pra caramba”, defende.
Conhecido como “Baixinho” graças à autoexplicativa estatura – ele mede 1,50 e se diz “quase anão” – o eletricista baiano acumulou conhecimento em arte e fez não somente carreira como a vida dentro do museu. Wilton é zelador do MuBE. Reside em uma casa de dois quartos, construída para ele morar com o filho único, desde 1998.
O baiano habita o provável imóvel mais curioso da cidade, e é um dos raros zeladores de museu – quiçá o único. Dos museus administrados pelo governo, nenhum deles têm tal funcionário, segundo informou a Secretaria de Estado da Cultura. O terreno ocupado pelo MuBE pertence à prefeitura de São Paulo, que cedeu em regime de comodato à iniciativa privada. Nas instituições administradas pela gestão municipal, também não há o registro de zeladores.
Baixinho, porém, revela que já se acostumou a viver cercado de quadros e esculturas. Diz que só não consegue esquecer que seu endereço fixo é dentro de um museu porque é acionado a todo o momento para resolver problemas.
“Qualquer coisa que acontece o pessoal chama. De todo o jeito você está dentro do museu. O presidente (do MuBE) diz que sou o secretário dele. Eu que faço tudo, né?” Seu filho, porém, ainda vê o lado lúdico do lugar onde foi criado. “É diferente. Quando criança, todo mundo perguntava ‘como assim você mora num museu?’. Mas foi muito bom viver com todo esse espaço e acesso”, relata Alex Campos Rodigues, de 21 anos.
Trajetória
Wilton Rodrigues migrou para São Paulo aos 18 anos. Era assistente de eletricista em Itaberaba, na Bahia. Buscava no sudeste capacitação e um emprego rentável.
Seguiu o caminho de dois irmãos que já moravam na capital. Chegou à cidade há 30 anos – em maio de 1984.
Dez anos depois, era funcionário de uma empresa que prestava serviço para o museu.
Foi responsável pela instalação da rede elétrica do MuBE, e acabou sendo contratado. Em pouco tempo, descobriu um novo ofício. “Fiz a elétrica inteira, e diretoria me chamou para fazer a manutenção do museu. Eu fazia a iluminação das exposições, e ajudava os caras a montar. O pessoal viu que eu tinha talento para a coisa, e me pediram para fazer.”
Orgulha-se de em 1998 ter feito sua primeira montagem solo. No mesmo ano, passou a morar no museu. A ideia partiu da diretoria da instituição, que viu na construção do imóvel a solução para o problema de descolamento de Rodrigues nas madrugadas pós-exposição. “Eu ficava no evento até terminar. E tinha que ir embora tarde.
Morava em Itapecerica da Serra, era complicado”, comenta.
Turma do Penadinho
Nessas duas décadas de múltiplas funções, ele garante que fez diversos cursos por tabela, e acredita que teve a sorte de conviver com arte – área da cultura que avalia como pouco democrática. “A arte não é acessível. É para gente de classe média para alta. Está muito longe de ser acessível. Precisa de incentivo e ensino.
Eu nem estudei, não. Foi prática mesmo de trabalhar com muitos artistas. Mas se não se interessar não aprende. Eu me interessei. Hoje de olhar eu já sei quem é quem, de quem são as obras. Se eu tivesse dinheiro eu investiria em arte. São coisas que você não perde, só valoriza.”
Em sua casa, guarda uma infinidade de livros sobre as exposições que montou, diversos com dedicatória dos artistas. Recorda de muitos, e demonstra intimidade com vários. Lamenta o falecimento do artista plástico Gustavo Rosa (que morreu em novembro de 2013) – um de seus prediletos. “Já montei umas três exposições para ele. Acho o maior barato o trabalho dele.”
Mas é do acervo do Palácio dos Bandeirantes que mais teve receio. “Eram só obras de quatro por cinco metros, só obra que custa R$100 mil, R$1 milhão. E eu montei sozinho. Essa eu fiquei com medo. Pra mim, ela foi a mais importante que eu vi aqui. Era só Picasso, Tarsila do Amaral. A Polícia militar que ficou tomando conta durante dois meses.”
Manusear quadros raros, caros e peças delicadíssimas, entretanto, não é a parte mais assustadora da vida dentro de um museu. Rodrigues afirma que o local é mal-assombrado, e confessa que à noite não pisa no salão expositivo do MuBE de jeito nenhum. Aos 47 anos, cansou perder o fôlego com o que já presenciou ali.
“É terrível. Antigamente eu ficava lá desmontado exposição. Parei, não fico mais. Escutava gente batendo palma, fazendo barulho. Ficava todo arrepiado e corria. É fogo. Não monto mais sozinho, só se tiver gente comigo. Já corri muito de lá de dentro. Todo museu tem assombração. Esse aqui tem. Entra lá sozinha que eu quero ver. Dizem que onde tem muita imagem tem essas coisas.”
Só graúdos
Nos mais de 20 anos de profissão, fez fama com a “granfinada” paulistana, que solicita seus serviços por telefone. Afirma que já recebeu mais de 100 propostas para mudar de emprego e perdeu as contas de quantas montagens fez, dentro e fora do museu. É frequentemente assediado pelos entendidos de arte – de curadores a artistas renomados.
Hoje, faz montagens e iluminação para mais de 20 clientes fora do MuBE. “Monto exposição em um monte de lugar. Aqui só vem artista importante. No boca a boca, por indicação, passei a prestar esse serviço. E eles sempre convidam para trabalhar com eles”, explica.
Por conta do sucesso, planeja abrir um negócio próprio e seguir prestando serviço particular. Declara todo amor que sente por São Paulo, mas quer mudar de endereço o quanto antes. “Sonho em ganhar um pouco de grana e sair de São Paulo. Ou voltar para Bahia, ou viver no interior de São Paulo. Adoro a cidade, mas não dá. Tenho muito medo de assalto. Já me roubaram três motos na rua. Quero uma vida mais tranquila.”